Virgens, Véus e Vassouras Voadoras
Edição Bíblica
Virgens, Véus e Vassouras Voadoras
Ou como interpretar a Teologia para Totós
Religião, esse desporto de combate praticado à distância com livros sagrados em vez de espadas. E se há coisa que une todas as grandes fés, Islão, Cristianismo, Judaísmo, Testemunhas de Jeová e até aquela seita dos que acreditam que Jesus era surfista e morava em Peniche, é a profunda obsessão com o sexo. Ou melhor, com a sua ausência. Mais precisamente, com virgens.
Comecemos pelo Islão, porque parece que é moda. Segundo certas interpretações, das mais maradas, vá, os mártires têm direito a 72 virgens no paraíso. Setenta e duas? Ouviram bem, nem mais uma nem menos uma, o que revela duas coisas: primeiro, que o paraíso é basicamente um bordel cósmico patrocinado por Alá, e, segundo, que ninguém pensou no que fariam essas virgens depois da primeira noite.
Será que existe algum plano de carreira para elas? Reformas? Subsídio de castidade? Desemprego, Baixa Médica, ou ficam eternamente à espera, tipo call center do além, com música celestial e promessas que nunca se cumprem?
Claro, há muçulmanos perfeitamente normais que não acreditam nestas patetices, mas, como sempre, os fanáticos fazem mais barulho do que os lúcidos. E por isso ficamos com esta imagem caricata de jihadistas de chinelo e kalashnikov a explodirem em nome de um harém eterno. É Romântico, diga-se, mas de uma maneira muito perturbada, sem qualquer dúvida.
Mas atenção, não sejamos injustos, pois o Cristianismo também tem as suas boubices. A começar pela ideia da Virgem Maria ter engravidado sem...". " enfim, sem ter "tocado viola", digamos assim. Uma mulher que foi mãe, mas que se manteve virgem, só pode ter sido Milagre? Não? Talvez, mas se for verdade, então José é o santo padroeiro dos maridos cornos e contentes. E enquanto Maria sobe aos céus, as outras mulheres da aldeia olham e dizem: “Pois... esta é virgem, mas lá que está barriguda, está.”
E a obsessão não fica por aqui, pois o celibato dos padres é outra relíquia, porque, aparentemente, o contacto carnal é incompatível com a espiritualidade, exceto quando é com menores, mas aí a Igreja já diz que está em reflexão e a rezar para que passe. Deus escreve direito por linhas tortíssimas e depois, os advogados, tratam do resto.
O Judaísmo, também tem as suas pérolas.
Vejamos: Regras alimentares, regras sexuais, regras para tudo, menos para a humildade de reconhecer que talvez, só talvez, Deus não esteja assim tão preocupado com o que comemos ou com o ciclo menstrual da Rebeca. Mas há sempre um rabino pronto a explicar, com grande seriedade, que Deus quer que não misturemos queijo com carne, porque o Criador do Universo claramente é intolerante à lactose e opta mais por uma saladinha de frutas.
Em resumo, todos os credos têm a sua versão de fanatismo sexual-repressivo. Uns prometem virgens, outros glorificam uma, outros proíbem tudo e chamam-lhe pureza, e todos, quase todos, invariavelmente, são liderados por homens muito preocupados com o que as mulheres fazem com o corpo, mas estranhamente silenciosos sobre o que os poderosos fazem com o mundo.
Por isso, sim, gozar com estas crenças é ofensivo, mas também é necessário, porque enquanto houver gente a matar em nome de virgens celestiais ou a governar em nome de santas abstinências, há que lembrar o óbvio: se Deus existe, tem mais com que se entreter do que contar hímenes, controlar burcas ou fiscalizar ejaculações.
E se não tem..., bem, nesse caso, talvez o inferno seja mesmo passar a eternidade a ouvir sermões, casto e virgem, numa sala cheia de fanáticos, de todas as religiões, a discutir quem é o verdadeiro Deus.
Nenhum deles tem razão, mas experimentem dizer isso lá dentro, serão imediatamente acusados de blasfémia, herege, apóstata, ou, pior ainda, relativista, um dos insultos preferidos dos crentes de qualquer estirpe: relativista. Porque, pelos vistos, acreditar que talvez todos estejam errados é mais perigoso do que acreditar que um velhote barbudo num trono invisível anda a registar cada pensamento impuro teu, como um Google divino mas sem opção de apagar o histórico.
A sala, claro, tem má ventilação, cadeiras desconfortáveis e ar condicionado regulado por consenso inter-religioso, o que significa que ora está insuportavelmente quente, ora com ambiente glacial. E ali estão eles: os imãs com as suas barbas a citar o Alcorão; os padres a invocar os Evangelhos com o ar de quem acabou de descobrir a pólvora; rabinos a discutir casamentos, impurezas e o preço do salmão kosher; e, no fundo, um pastor evangélico aos gritos com um monge budista porque o segundo não acredita no inferno, mas o primeiro quer convertê-lo só para o poder mandar para lá.
É um talk-show teológico sem fim, moderado por um anjo com burnout e depressão crónica, que perdeu a fé ainda nos Salmos. Cada intervenção é interrompida por aplausos indignados e citações enviesadas de livros sagrados. O conceito de "debate" foi substituído por "gritaria com frases feitas". E todos, mas todos, têm a certeza absoluta de que só a sua religião é verdadeira, e que todas as outras são ridículas, excepto a parte em que as copiam descaradamente.
É como estar preso numa reunião de condomínio divina, onde ninguém quer pagar as obras, mas todos exigem o Céu com vista panorâmica e direito a jacuzzi escatológico.
E aí está o inferno: não o fogo eterno, não os demónios, não as torturas. O verdadeiro suplício é ser condenado a ouvir para sempre homens, sempre homens, a explicar Deus aos gritos, com cuspo, fanatismo e PowerPoint.
Deus, esse, não aparece, cá para mim, está escondido, provavelmente a rir-se, ou com vergonha alheia. Talvez tenha emigrado para um planeta onde ninguém inventou religiões, ou, com alguma sorte, esteja em silêncio absoluto, porque só assim se evita mais uma guerra em nome Dele.
Ou então está mesmo ali na sala, sentado discretamente ao fundo, com um crachá a dizer "observador imparcial", a acenar com a cabeça a cada disparate, e a tomar notas para o próximo Dilúvio.
No fundo, compreendemos, que Ele tem muito que fazer, afinal, entre benzer penáltis, garantir que chove só depois da procissão e ajudar políticos corruptos arrependidos a serem reeleitos, não sobra tempo para corrigir interpretações erradas de textos escritos há milhares de anos por homens que achavam que epilepsia era possessão demoníaca.
E se não interfere, é por respeito ao livre-arbítrio, claro, esse maravilhoso conceito que serve para justificar tudo o que corre mal, desde cruzadas até ataques suicidas, mas que, curiosamente, nunca se aplica a um prémio do Euromilhões ou a um orgasmo espontâneo. Não, aí foi mesmo a mão de Deus.
Como é bonito acreditar. Sobretudo quando dá jeito.
Este texto, é para aqueles que acham que eu não percebo nada de cenas teológicas, e que por acaso, só por acaso, não sei, mas vocês é que estão enganados e deveriam saber.....