Pinotes na Feira da Bagageira
O Buraco Negro da Política Local
Pinotes Batista em Alcácer do Sal, na Feira da Bagageira, ou como alguém, se sente um verdadeiro estadista com um microfone emprestado pela junta.
Na pitoresca Alcácer do Sal, onde as cegonhas sobrevoam os telhados e os discursos políticos ecoam com a mesma leveza, André Pinotes Batista, o novo timoneiro da Federação Distrital de Setúbal do PS, brindou-nos com uma oratória que, se não fosse tão previsível, seria quase inspiradora.
Senhoras e senhores, começa ele, "povo de (Alcácer do Sal)", ou será Cascalheira de Baixo? Talvez Traseiras do Telhado? Não importa para o caso, porque o texto foi claramente concebido com o botão “Localidade (inserir aqui)” pronto a ser substituído pelo nome do aglomerado populacional em causa. A fórmula, há muito conhecida pela classe política, é infalível.
O importante é que André Pinotes Batista apareceu, representou e ninguém ficou indiferente, ou melhor, todos ficaram exatamente como estavam antes, mas com um ligeiro zumbido nos ouvidos causado pelo eco do seu próprio ego.
Todos, à excepção do proprietário da viatura que, enquanto decorria o bota palavra, enterrava o eixo do carro no buraco negro infraestrutural que ameaça fazer derrocar o poder autárquico da Companhia Pinotes, no Barreiro.
Pinotes, esse monumento vivo ao design político, é a mais recente exportação dos Casquilhos para o universo das frases feitas. Saiu da sua zona de conforto, que é, curiosamente, todo o território nacional onde exista um palanque, uma câmara ligada, ou um cartaz com o logo do PS, para entregar à população de Alcácer um discurso com mais variedade de produtos, do que um panfleto do Lidl.
Falou dos desafios. Claro que falou, não há político de PowerPoint, que se preze, que não fale dos desafios, mas fê-lo com a intensidade de quem comenta um fora-de-jogo na CMTV às três da manhã, com gráficos de posse de bola e a certeza absoluta de que, se ele mandasse, o país já era campeão europeu da “coesão territorial sustentável, com pegada digital e empatia intermunicipal”.
Enumerou dificuldades como quem recita a tabela periódica sem saber que “berílio” não é um mineral, mas o nome da cabeleireira da prima de um militante de Setúbal.
As palavras voaram, “transformação”, “proximidade”, “digitalização”, “juventude”, “resiliência”, “nova energia”, “compromisso”. Parece um plano estratégico, mas é só ruído poético com cheiro de tinta fresca em cartaz de campanha.
E lá estava ele, no seu palco moral portátil, com ar de quem vende Tupperwares emocionais e seguros de saúde para a alma socialista, embalado naquele tom monocórdico de político jovem, que já decorou todos os truques da velha guarda. O truque é parecer visionário, mas só até ao final do mandato, depois logo se vê.
O mais fascinante, a convicção como André Pinotes argumenta e fala, como quem acredita mesmo que está a liderar uma cruzada, que vai resolver a desertificação do interior com “Estados Gerais Digitais” e que basta sorrir para atrair investimento direto estrangeiro. Como se o destino de Alcácer do Sal se decidisse numa reunião de departamento de marketing, ali no café Central do Lavradio.
Tudo isto seria divertido se não fosse trágico, porque enquanto ele despeja clichés, com a confiança de um youtuber motivacional, quem o ouve tem contas por pagar, filhos sem médico de família e transportes que chegam com menos frequência que o bom senso ao discurso dele. Mas o que importa é que o cenário é bonito e o design resulta. O “branding” está feito.
Pinotes Batista não é um político, é um vendedor de sonhos em leasing, com stand montado na Feira da Bagageira do Barreiro. E Alcácer do Sal foi só mais uma paragem na tournée nacional do “Eu, Eu e o Partido”. Amanhã será em Vendas Novas, depois, talvez em Porto Covo, na Moita ou Sarilhos-Pequenos, bastando para que resulte, trocar o nome no discurso.
Porque os problemas são locais, mas o paleio é sempre global.