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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

O Cofre da Vergonha

ou a Arte de Roubar com Gravata

Barba Azul, 13.05.25

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Dotação Provisional

O Cofre da Vergonha ou a Arte de Roubar com Gravata

Em janeiro de 2014, enquanto Portugal ainda lambia as feridas do assalto institucional perpetrado sob a capa de ajustamento, eis que surge Manuela Ferreira Leite, não como a madona arrependida do cavaquismo tardio, mas como a voz engasgada da consciência fiscal seletiva.

No púlpito televisivo da TVI24, no programa Política Mesmo, uma ironia involuntária no título, a ex-ministra das Finanças lá foi despejando verdades como quem revela que o imperador vai nu, depois de lhe ter ajudado a escolher o fraque.

Ferreira Leite denunciava, com aquele ar de freira ultrajada com a promiscuidade alheia, a existência de uma “dotação provisional” de 533 milhões de euros no Orçamento de Estado de 2014.

Para os comuns mortais, ou seja, os que apanham autocarros, contam moedas no fim do mês e veem reformas amputadas com cortes cirúrgicos à dignidade, tratava-se de um cofre escondido atrás da estante da austeridade. Segundo a nossa dama de ferro fiscal, tal verba seria mais do que suficiente para cobrir as inconstitucionalidades declaradas pelo Tribunal Constitucional.

Mas o governo de então, esse colosso de virtudes liberais com alma de capataz, optava por cortar nas pensões, como quem rega um jardim com gasolina.

Pedro Passos Coelho, o primeiro-ministro de olhar vago e discurso de PowerPoint, e Paulo Portas, o eterno contorcionista político, assobiavam para o lado, fingindo que 533 milhões eram um número místico, reservado a oráculos tecnocráticos e não à justiça social.

"O fundo de maneio devia cobri-los", dizia Ferreira Leite, como quem dá uma receita de bolo à ministra das Finanças, e com que leveza e subtileza ela expunha o truque, bastava uma canetada, uma delegação de competências, e voilá, os cortes morriam no papel.

“Resolvia-se em 10 minutos”, dizia ela, claro, tal como se resolvia em 10 minutos o problema da fome no mundo, se houvesse vontade, mas há quem prefira pagar consultorias a preços de helicóptero.

Mas a verdadeira obra-prima do cinismo foi a comparação com o seu próprio mandato, quando o “fundo de maneio” era de 150 milhões, cuidadosamente usado para “aumentos dos funcionários”.

A sério? Alguém ainda se lembra de aumentos salariais no tempo em que Ferreira Leite mandava nos cofres públicos? Ou será que confunde aumentos com indemnizações douradas para boys e assessores de lapela dourada?

E a oposição? A oposição, em vez de pegar na denúncia e fazer dela uma bandeira, preferiu encenar uma peça de teatro menor.

O PS, a viver a sua eterna crise de identidade entre o socialismo de salão e o pragmatismo de cartilha neoliberal, limitou-se a uns quantos murmúrios e indignações em comissões parlamentares.

O PCP gritou no deserto, o Bloco fez conferências de imprensa com powerpoints moralistas, mas ninguém, absolutamente ninguém, agarrou nos 533 milhões escondidos e os transformou numa causa nacional.

O resultado foi um país anestesiado, onde se cortavam pensões em nome de uma necessidade que afinal era opcional, onde se aplicava austeridade com a mesma lógica com que se aplica perfume: para mascarar o cheiro da má gestão.

Em suma, o episódio da dotação provisional de 2014 foi uma pequena epifania de como se governa um país como quem gere um condomínio de luxo, com contas opacas, prioridades obscenas e uma indiferença brutal pelo velho, pelo pobre e pelo inútil ao mercado.

E Ferreira Leite, essa santa da ortodoxia orçamental, apareceu nesse momento como a Cassandra neoliberal, não por arrependimento, mas porque alguém estava a gastar o dinheiro que ela teria preferido cortar com mais classe.

Um país sério teria feito desta denúncia um escândalo nacional. Portugal fez dela uma nota de rodapé, e agora, colocam Barrabás no templo (Paços Coelho), esperando que Cristo (o Povo), volte outra vez à terra, para o crucificaram de novo.

O Futuro É Já… outra vez. E outra. E mais outra

Barba Azul, 13.05.25

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O Futuro É Já… outra vez. E outra. E mais outra.

Por um cronista ligeiramente enojado com déjà-vus com gel no cabelo:

Pedro Nuno Santos apareceu de novo, ou, para ser mais preciso, reapareceu, porque esta gente nunca desaparece, recolhe, espera, faz a barba e tira novas fotografias com fundo azul, e regressa como se nada fosse.
A bandeira é nova, a tática é velha, e o perfume político é o mesmo, Eau de toilette "Governei-mas-agora-é-que-é".

“O Futuro é Já!”, grita ele, com o entusiasmo de quem acabou de descobrir a palavra “futuro” numa bolacha da sorte da Marinha Grande.
Ora, se o futuro é já, não devia haver tempo para reuniões, comícios ou powerpoints.

Devia começar por devolver os comboios comprados à CP que ainda não chegaram, ou pelo menos confessar que já viu este futuro nalgum Conselho de Ministros anterior, provavelmente numa quinta-feira, com Medina ao lado e Costa a bocejar.

Pedro Nuno fala como quem acabou de descer do Monte Sinai, mas a tábua que carrega são as mesmas promessas da década passada, ligeiramente atualizadas com emojis e jargão TikTok.

Depois diz que é ele e o povo, o povo, sempre tão útil, sempre tão presente nas frases e tão ausente nas decisões.

“Sem intermediários”, exclama, enquanto o palco atrás dele se enche de gente que já intermediou tudo, do SIRESP às PPP, passando pelos pareceres da IGF que ficaram em cima da mesa, como croquetes frios.

Um pequeno detalhe, este homem foi ministro das Infraestruturas durante o governo de António Costa, aquele mesmo que governou o país como quem monta uma estante do IKEA sem instruções, mas que no fim faltavam sempre peças.

Sim, Pedro Nuno, o engenheiro dos comboios que não chegaram, dos aviões que não descolaram e do aeroporto que ainda está mais enterrado que o processo das gémeas brasileiras.

Sim, Pedro Nuno Santos é o ex que promete que “agora vai ser diferente”, que está mais maduro, mais focado, mais responsável, só que o álbum de fotografias revela o contrário.

Esteve presente nos bastidores de todos os falhanços recentes, do lítio em Montalegre ao escândalo da Habitação a custos (in)controlados com Marina Gonçalves, outra cria da máquina, promovida da Juventude Socialista ao ministério como quem passa do estágio para administrador da empresa pública.

A TAP, recordemos, foi nacionalizada sob a sua batuta, numa operação digna de um mágico amador, desapareceu dinheiro, reapareceu polémica, e a única coisa que voou foi a CEO para outro país, com os bolsos e a conta bancária bem aconchegada.

E quem são esses bravos rostos do novo futuro? Velhos conhecidos, uns com mais rugas, outros com mais botox, todos com o mesmo talento para o imobilismo dinâmico.

Essa é a geração que nos prometeu TGVs sem linha, aeroportos sem licença, e habitação acessível para quem herda casas da avó em Alfama.

É este o PS renovado de PNS, aquele partido que se reinventa como uma pastelaria, muda o nome do bolo, mas a massa é sempre folhada.

E agora? Agora é o futuro, mas sem intermediários, diz ele, enquanto se rodeia de nomes como Ana Catarina Mendes, que há décadas faz pontes entre o povo e os gabinetes de avenidas largas, pontes essas que costumam ruir em comissões parlamentares.

Ao lado, Fernando Medina, o “cofreiro” do défice, que tratou o Ministério das Finanças como quem trata um mealheiro, apertado, opaco, e sempre a cair das mãos.

Não falta também Alexandra Leitão, a teórica da função pública que, num comício recente, conseguiu fazer parecer que a reforma da administração pública, passa por não se fazer nada.

Mas não se fica por aqui.
Entre os rostos do novo PS, que supostamente vai romper com tudo, encontramos também os clássicos.

Carlos César, sempre pronto a lembrar que os Açores estão longe, mas os tachos do continente são mais quentes, ou Francisco Assis, o eterno centrista com alma de cronista, que aparece sempre que é preciso um ar respeitável para justificar uma decisão questionável.

E como não falar da mais reluzente pérola da nova velha geração, André Pinotes Batista, produto puro da JS, moldado a gesso e glitter, agora é elevado a oráculo de ocasião.

Um daqueles quadros intermédios do regime que, não tendo feito nada de particularmente memorável, conseguiu a proeza de estar sempre lá, como a humidade nas paredes de um prédio do PER.

Pinotes, o comentador dos comentários, surge nos ecrãs com a solenidade de quem descobriu a democracia anteontem, mas a quer explicar aos outros com a autoridade de um deputado por correspondência.

Um homem que comenta tudo, opina sobre nada e consegue sair de cada painel televisivo com a sensação de missão cumprida, mesmo que ninguém se lembre exatamente do que ele disse.

É o Cristiano Ronaldo das generalidades, sempre pronto para marcar um golo de trivela em temas como “a importância do diálogo” ou “os desafios da nova geração”, sem nunca se comprometer com coisa alguma, nem mesmo com o verbo no presente.

Brilha com aquele entusiasmo plastificado de quem aprendeu a discursar em congressos de juventudes partidárias à meia-noite, depois de 14 horas de moções, bifanas e gasosa.

Tem um penteado milimetricamente calculado e um vocabulário calibrado entre o politicamente responsável e o perigosamente irrelevante.

Se Pedro Nuno é o ex que promete que mudou, Pinotes é o primo novo que aparece nos almoços de família já com cartão de visita, a falar de “resiliência” e “reskilling” enquanto os adultos ainda estão no caldo verde.

Não espanta que o PS o empurre para a frente, é telegénico, previsível, domesticado e, sobretudo, reciclável, e no partido da mudança que nunca muda, isso vale ouro, ou pelo menos, tempo de antena.

Desde 1974 que o PS promete mudar tudo, e com notável sucesso, pois tem conseguido mudar tudo para que tudo fique na mesma.

São os mestres do eterno regresso, do “novo ciclo”, da “viragem”, do “recentrar”, como se o país fosse um volante de Renault Clio a precisar de alinhamento.

A verdade, caros leitores, é que Pedro Nuno Santos é o político ideal para os portugueses, promete o futuro com ar zangado, veste o passado com roupa nova, e ainda nos faz sentir culpados por duvidar dele, porque se não for ele, quem será?

Montenegro? Ventura? Um holograma de Guterres? Não, é e tem que ser ele, o ex com gel no cabelo, pronto para mais uma volta no carrossel da governação, com a promessa, que agora vai ser diferente.

E talvez seja, mas só na cor do fundo dos cartazes, porque no resto, bom, o resto já nós sabemos de cor e salteado, não havendo nada mais trágico, numa sociedade traída, do que um povo que ainda finge estar surpreendido.

Portugal Não Pode Parar de Bater no Fundo

Barba Azul, 12.05.25

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Versão anotada para quem ainda tem memória e estômago

Luís Montenegro, esse Cláudio Ramos da política séria, decidiu que era hora de falar alto. Vai daí, libertou um “Portugal não pode parar!” com a mesma força dramática de quem anuncia o regresso dos "Morangos com Açúcar".

O problema, é que, vindo de quem passou anos a interromper qualquer sopro de mudança como líder parlamentar do PSD, a frase soa a sketch do Gato Fedorento, mas sem graça.

Vamos aos factos, que é para ninguém se perder no nevoeiro institucional. Montenegro foi o braço-direito da paralisia entre 2011 e 2015, durante o governo de Passos Coelho, enquanto o país era varrido por austeridade e as pensões eram tratadas como sugestão facultativa, o nosso herói não só aplaudia como ainda perguntava se dava para cortar mais um bocadinho.

Privatizações à pressa? Assinou por baixo, abaixo do radar da dignidade. TAP, CTT, EGF, Efacec, o catálogo era variado, estilo catálogo da La Redoute, mas com consequências reais e irreversíveis.

Depois, em 2018, Montenegro faz uma pausa, diz que se vai “afastar da política” para dar lugar a “novas ideias”, entenda-se, foi ver se o povo se esquecia da sua triste figura.

Voltou em 2022 com um ar de príncipe arrependido, de quem não parte, mas também nunca chega.
Ganhou a liderança do PSD porque Rui Rio estava mais preocupado em não fazer nada do que em liderar, e Montenegro surgiu como aquele tipo que, num incêndio, aparece com um copo de água, e uma citação de Sá Carneiro.

E agora chega com a “mudança segura”. Mas que lindo, até parece nome de programa da Deco Proteste.

Diz ele que não somos uma aventura, pois não, são um spin-off do governo de Passos Coelho, mas sem elenco principal, por outras palavras, uma espécie de “Austeridade Reloaded”, agora com António Leitão Amaro no papel de Morpheus da administração pública e com Nuno Melo a brincar aos tanques de guerra, como se ainda estivesse nos tempos do CDS ruralista de feira e pavilhão.

Leitão Amaro, aliás, tem andado a explicar aos portugueses que vai acabar com “tachos” e “organismos inúteis” enquanto nomeia amigos para tudo o que mexe, como fez com o novo secretário de Estado da Administração Pública, que mal chegou, já levou para lá um batalhão de assessores. Chama-se agora “confiança política”, quando nos tempos da Troika dava pelo nome de“clientelismo”.

E temos também o caso de Miranda Sarmento, Ministro das Finanças, que em abril tentou convencer o país de que cortar 1,2 mil milhões no SNS não é austeridade, mas sim "rigor técnico". É um rigor tão técnico que já faltam médicos em 26 urgências hospitalares, mas o Excel continua a sorrir e feliz da vida.

Enquanto isso, Montenegro fala em “crescimento” como se tivesse acabado de o inventar, esquecendo-se, só por acaso, que desde que chegou ao poder, o investimento público caiu 6,5% face ao ano anterior e o PRR continua com mais powerpoints do que execução.

A cereja no bolo? Voltaram os debates sobre “cortes na função pública”, porque, claro, o problema do país são os técnicos da segurança social e não os ministros que confundem Estado com estágio curricular.

E o país, esse eterno figurante da própria tragédia, vai assistindo, uns com cinismo, outros com o estoicismo de quem espera há 30 anos por um comboio em Baleizão.

A política tornou-se uma série que ninguém pediu renovação, mas continua a dar, porque o comando perdeu-se entre as almofadas da democracia.

Não somos uma aventura? Claro que não. São a mesma novela, com menos talento, pior argumento e um orçamento que só cresce em maquilhagem institucional.

Se Portugal não pode parar, talvez seja porque está a andar em círculos e Montenegro está ao volante com o travão de mão puxado e o GPS a gritar:
"Cuidado: trajeto já percorrido, recalculando nova rota, desde 2011."

O Lado P de Palco

Barba Azul, 12.05.25

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O Teatro da Auto-Satisfação Socialista no Barreiro

Num episódio a roçar o ridículo na política, no Instagram, transmitido como se fosse um “making of” da mudança, mas que mais parece um making fun da inteligência dos eleitores, André Pinotes Batista e Rui Braga protagonizam um exercício de egolatria política, que mistura propaganda com stand-up, numa performance tão oleada como uma rotunda acabada de inaugurar com pompa e drone.

Com um discurso que oscila entre o lirismo camarada e o delírio publicitário, André Pinotes apresenta Rui Braga como uma espécie de super-herói da política local, o “vice que não para”.
O problema é que não se sabe bem se não pára de trabalhar, ou se não pára de aparecer.

Há quem diga que no Barreiro, já deviam ter instalado um QR Code no casaco dele, dado o número de vezes que aparece nas redes sociais, com obras inacabadas como cenário de fundo.

Pinotes, com o seu habitual charme parlamentar, elogia Braga como se estivesse a apresentar o vencedor de um concurso de elegância autárquica: “Com esse casaco, pareces pronto para liderar uma cimeira europeia”.

De facto, o vice-presidente veste-se para impressionar, pena é que o município continue, muitas vezes, por vestir, enquanto as periferias do concelho se debatem com carências básicas e a mobilidade continua tão fluida quanto um buraco na EN10.

Entretanto, com a vida a correr-lhe de feição, os nossos protagonistas trocam galhardetes entre sorrisos cúmplices, como dois figurantes de uma novela cujo enredo ninguém escreveu, mas todos fingem que decoraram.

É neste cenário de fachada que se fala de habitação, mobilidade, fundos europeus, sempre com o tom de quem já resolveu tudo, mas que, por modéstia ou conveniência, ainda não divulgou os resultados.

A realidade, claro, tem outro guião, bairros degradados ignorados, planos de urbanismo entregues à especulação, e promessas de obras que se arrastam mais do que a fila da Transtejo num dia de greve.

O que se vê neste vídeo não é política, é encenação, um reality show socialista, filmado em modo campanha permanente, onde a crítica se dissolve num jogo de espelhos e os problemas reais são transformados em oportunidades para frases sonoras e poses bem iluminadas.

“O Lado P”, afinal, não é de “progresso”, mas de performance, e o Barreiro, entre o cansaço e o cinismo, assiste, com menos aplausos e mais contas para pagar.

 

Do Bitaite ao Soundbite

Lista de Candidatos ao Óscar

Barba Azul, 11.05.25

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Lista de Candidatos ao Óscar
"Do Bitaite ao Soundbite"

Durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2025 em Portugal, os líderes partidários utilizaram diversas frases curtas e marcantes, umas mais do que outras, para mobilizar eleitores e destacar as suas propostas. Estas frases refletem as principais mensagens e estratégias de cada partido.

Nas campanhas eleitorais, e a de 2025 não foge à regra, os líderes e as suas máquinas de propaganda, transformam, aquilo que deveriam ser conceitos programáticos de ação realista sobre o presente e futuro dos cidadãos, num verdadeiro festival de frases-feitas, slogans sem alma e soundbites reciclados, prontos para encher outdoors, stories no Instagram e abrir telejornais com a profundidade intelectual de um panfleto de supermercado.

Considerando o que referi, já que existem Óscares para tudo e mais alguma coisa, decidi apresentar uma lista de candidatos ao "Óscar do Bitaite ao Soundbite".

Luís Montenegro (Aliança Democrática - AD)

"Portugal não pode parar!"

"Nós somos a mudança segura. Não somos uma aventura e não prometemos aquilo que não podemos cumprir."

"Esta onda vai crescer todos os dias e vai trazer uma grande vitória à AD."

"Eu sou um farol da Democracia"

Luís Montenegro (AD), com um entusiasmo digno de quem descobriu o copy/paste, bradou “Portugal não pode parar!” – o que é curioso, vindo de um político que há anos anda a travar tudo o que mexe, desde reformas à coragem. E quando promete “mudança segura”, soa a manual de instruções de micro-ondas: previsível, sem surpresas e, acima de tudo, morno. A cereja no bolo? “Não somos uma aventura.” Pois não. São uma continuação enfadonha de um livro que ninguém quer acabar de ler, e quando esbraceja, e grita "Eu sou um farol da Democracia", ninguém tem coragem de lhe dizer que parece mais uma lâmpada fundida num poste inclinado, perdido num beco sem saída.


Pedro Nuno Santos (Partido Socialista - PS)

"O Futuro é Já!"

"Agora, nesta campanha, somos nós e o povo, sem intermediários."

"Todos me conhecem, sabem da capacidade que tenho para dialogar com partidos com que já trabalhámos no passado."

Pedro Nuno Santos (PS) faz-nos lembrar aquele ex que promete que agora vai ser diferente. “O Futuro é Já!”, grita ele, como se não tivesse acabado de sair do governo do passado. “Somos nós e o povo, sem intermediários”, diz, enquanto atrás dele alinham-se os mesmos rostos de sempre, com os mesmos tiques, os mesmos cargos e as mesmas desculpas. O PS é o partido da mudança desde 1974, sempre a mudar para o mesmo.


André Ventura (Chega)

"Salvar Portugal"

"Nós não queremos mais bandidos em Portugal do que aqueles que já cá temos."

"Nós viemos para ficar e vamos vencer as eleições legislativas."

André Ventura (Chega) continua fiel à arte do grito. “Salvar Portugal” – de quem, exatamente? Dos pensionistas? Das famílias? Dos imigrantes que limpam o chão dos hospitais enquanto ele grita por “portugueses primeiro”? E claro, a pérola: “Não queremos mais bandidos em Portugal do que aqueles que já cá temos”. Ventura a admitir, com notável franqueza, que há bandidos – talvez esteja a olhar para o espelho, ou para a bancada que o aplaude.


Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda - BE)

"Mudar de vida"

"A escolha é entre fugir para trás ou puxar para a frente."

"A maioria absoluta deixou crises muito profundas no país."

Mariana Mortágua (BE) tenta poetizar o desastre com um “Mudar de vida”. A dúvida é: mudar para quê? Para o vazio retórico de quem grita contra tudo e governa nada? “Fugir para trás ou puxar para a frente”, diz ela, enquanto o Bloco, como sempre, puxa... mas para a irrelevância parlamentar.


Rui Tavares (Livre)

"A alternativa é ser LIVRE"

"É preciso ter presente que o enfraquecimento deste partido pode ser um prejuízo muito grande para desafios que aí vêm."

"A esquerda pode ganhar estas eleições melhor ou pior. Pode ganhar tendo aprendido alguma coisa dos erros e insuficiências do passado ou não tendo aprendido nada."

Rui Tavares (Livre) oferece-nos o delírio ilustrado: “A alternativa é ser LIVRE”. Claro, Rui. Ser livre para escrever manifestos de 80 páginas, distribuir bicicletas imaginárias e acreditar que o Parlamento é um clube de leitura de Hannah Arendt. Enquanto o país arde, Rui toca alaúde na sua torre de marfim


Rui Rocha (Iniciativa Liberal - IL)

"Acelerar Portugal"

"Nós queremos crescer 50% relativamente às últimas eleições."

"Sim ao círculo de compensação para podermos ter mais representação no parlamento."

Rui Rocha (IL) decidiu apostar no tuning semântico com o seu “Acelerar Portugal”. Um liberal a pedir velocidade, enquanto o país está num rali com pneus furados e travões partidos. “Crescer 50%”, diz ele, como se política fosse pitch de startup em conferência de LinkedIn, e não um país a cair aos bocados.


Inês Sousa Real (PAN)

"Vota com o coração"

"Nós precisamos de mais políticas públicas que permitam ajudar as famílias que têm animais."

"Com mais força no nosso grupo parlamentar conseguimos ir mais longe naquilo que tem sido o nosso trabalho."

Inês Sousa Real (PAN), com a sua ternura militante, propõe “Votar com o coração”, como se os problemas estruturais da habitação ou do SNS se resolvessem com carinho e patê vegan. “Mais políticas para famílias com animais” – pena é que os humanos continuem a viver em canis urbanos com rendas de luxo.


Paulo Raimundo (CDU)

"A tua vida importa, o teu voto conta"

"A pobreza é um dos falhanços mais clamorosos das últimas décadas."

Paulo Raimundo (CDU) atira: “A tua vida importa, o teu voto conta” – e é verdade, mas infelizmente nem a tua vida, nem o teu voto impedem o PCP de repetir a cassete do século XX com a mesma fé cega. “A pobreza é um falhanço clamoroso” – dito por quem continua a viver num bunker ideológico onde a realidade nunca entra.

No fundo, esta campanha não é sobre política. É sobre marketing de guerrilha num país cansado. É sobre frases ocas ditas por caras gastas, escritas por assessores desesperados para criar "engajamento". O soundbite é o novo programa de governo. A embalagem é tudo. O conteúdo? Esse já não interessa.

Portugal, esse, continua à espera, não de slogans. Mas de vergonha na cara.

As granadas legislativas do Ventura.

Barba Azul, 11.05.25

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Saia-me só da frente, que vou salvar Portugal com clichés e grenades legislativas!

Na mais recente encenação populista, com cheiro a napalm retórico, André Ventura apresentou aquilo a que chama um "programa político", mas que na verdade se assemelha mais a uma lista de desejos, escrita por um justiceiro com défice de leitura constitucional e excesso de horas no YouTube.

A pose foi beligerante, o verbo inflamado, e o conteúdo uma orgia de propostas tão irrealistas quanto reconfortantes para quem acha que a complexidade do mundo se resolve com berros e bandeiras.

Com a subtileza de uma britadeira em operação, Ventura apontou o dedo ao PS e ao PSD, como quem denuncia os donos da festa depois de passar anos a dançar no meio da sala.

Como não podia deixar de ser, retomou os greatest hits da casa, imigração significa insegurança, fiscalidade é opressão, corrupção só os outros, um autêntico clássico, onde só faltou o comboio da CP e os árbitros da Liga para completar o ramalhete da desgraça.

A ideia de deportar automaticamente imigrantes condenados por crimes graves é vendida como um ato de coragem patriótica, quando na verdade é um convite a processos judiciais infindáveis, sanções internacionais e escândalos diplomáticos.

Mas isso pouco importa, o objetivo nunca foi resolver problemas, apenas inflamá-los, afinal, Ventura sabe que um imigrante na capa de um tabloide vale mais do que dez páginas do Diário da República.

Numa proposta digna de um episódio sombrio de Black Mirror, o líder do CHEGA quer aplicar castração química como se fosse um repelente para reincidência. O problema, é que é inconstitucional, ilegal em quase toda a Europa e eticamente abominável, mas convenhamos, quando se governa a partir do ressentimento, o detalhe dos direitos humanos é só um empecilho chato.

A proposta de uma taxa única de IRS a 15% é o equivalente fiscal a oferecer champanhe aos milionários enquanto se distribui água da torneira aos restantes.

Ventura veste-se de homem do povo, enquanto promove medidas que dariam arrepios a qualquer contabilista decente, ou a um Estado que ainda queira ter dinheiro para pagar escolas, hospitais ou as escoltas que inevitavelmente acompanharão a sua presidência imaginária.

Eliminar o IMI é uma forma subtil de dizer, “amigos do betão, sejam bem-vindos”, sob o pretexto de proteger a “família portuguesa”, mas o que se promove é a destruição das finanças locais e o paraíso dos fundos imobiliários, porque para Ventura, os presidentes de câmara, esses, que se aguentem com rifas e peditórios.

No que toca ao IRS, Ventura substitui o planeamento familiar por um plano de incentivos tributários, não se trata de apoiar famílias, trata-se de premiar um modelo específico de mulher, tipo reprodutora submissa patriótica.

Para as solteiras, divorciadas ou casais sem filhos, nada feito, pois quem manda são os úteros alinhados com a cruz e a espada.

O combate à corrupção pela via da criminalização sumária, parece justo, até percebermos que o que se propõe é um Estado que acusa sem provas e presume a culpa.

Ventura vende isto como justiça popular, mas o que oferece é apenas um espelho onde se reflete a sua obsessão com manchetes e execuções públicas de reputações.

A frase dirigida a Luís Montenegro é o resumo perfeito do CHEGA, muita força na voz, pouco conteúdo na proposta.

Ventura não quer governar, quer berrar, dividir e alimentar a fogueira onde se queima o bom senso, porque o seu programa não é um plano para o país, é um manifesto para a revolta perpétua, mais um PowerPoint de demagogia, entre outros, revestido a indignação.

Mas atenção, há quem aprove e aplauda, e isso diz tanto sobre Ventura, quanto sobre o estado de um país que se habituou a confundir gritaria com liderança.

Alburrica Encenada Com Arte Viva

Barba Azul, 10.05.25

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A Tragédia em Três Atos com Interlúdios de Auto elogio, poderia ser uma Dramaturgia municipal em versão estendida, por Frederico Rosa e a sua trupe de encenações políticas.

Como primeiro ato, nada como celebrar 45 anos de resistência cultural, com um elogio tão plastificado que poderia ser reciclado para embalar sardinhas ou depurar ostras e outros bivalves.

A ArteViva, essa companhia de teatro que sobreviveu ao desinteresse camarário e à precariedade institucional, durante décadas, é agora celebrada com pompa e circunstância, pelo mesmo poder autárquico, que tratou a cultura como rodapé orçamental durante mandatos inteiros.

Frederico Rosa, numa das suas melhores interpretações de “presidente sensível à cultura”, destaca, entre dois flashs e três soundbites, a importância da ArteViva, como se tivesse descoberto ontem a sua existência

Ato II – Os Moinhos da Narrativa

Os Moinhos de Alburrica, outrora ameaçados por abandono, agora são elevados a ícones do orgulho barreirense, quando durante anos serviram de cenário para promessas ocas, placas de obra eternamente penduradas e sessões fotográficas de campanha.

São “únicos no país”, diz-se com dramatismo, únicos, sim, pela capacidade de serem referidos em discursos, sem que se saiba exatamente o que lá foi feito, além de cal e cosmética.

Frederico Rosa fala em centros interpretativos, mas talvez se refira à interpretação artística da realidade, já que transformar o desleixo em “investimento estruturado” exige talento digno de palco.

A ArteViva foi medalhada em 2005 e galardoada em 2010. Nada disso foi iniciativa do atual executivo, mas isso não impede o uso retroativo abusivo dos feitos alheios, para envernizar o presente .

É a clássica política do “nós, que não fizemos isto, queremos agora parecer os autores”. A ArteViva, é usada como pretexto para auto elogio, como se fosse uma extensão do gabinete de comunicação da Câmara e não uma entidade que resistiu apesar da Câmara e sua composição política, uma festa em nome da cultura que é, na verdade, mais um ato de relações públicas.

Ato III – Barreiro uma Cidade Cenário

Tudo culmina num "grand finale", “reforçar o compromisso com a cultura e o património”, um compromisso reforçado com comunicados, fotografias, videos, slogans e… pouco mais.

Nas freguesias, os espaços culturais vegetam, os grupos amadores arrastam-se sem meios, os criadores locais mendigam apoios, mas nas palavras do presidente, vive-se uma renascença cultural digna de Florença ou Milão, já para não falar da Hollywood falhada da Quimiparque.

Talvez o compromisso seja apenas com a estética do compromisso, porque o conteúdo continua ausente, como certos figurantes que esquecem e baralham as falas em cena.

A Ironia Final desta celebração, no fundo, bem lá no fundo, serve apenas para mascarar a verdade, para que se diga que o Barreiro tem cultura apesar da Câmara, e não por causa dela.

Os moinhos podem ser símbolos do passado, mas o presente da política cultural barreirense é um moinho parado, gira apenas quando sopra o vento mediático certo, e a ArteViva, coitada, entre medalhas e discursos, continua a representar, mas fora de cena, nos bastidores de uma cidade onde a cultura é figurante de luxo num teatro de vaidades,.

E eis que surge, montado, não no Rocinante mas numa Trotinete Elétrica de uso partilhado, D. Quixote de Lá Mancha, versão autárquica adaptada, de lança substituída por microfone com auricular bluetooth.

Vê nos moinhos de Alburrica não testemunhos da incúria, mas gigantes culturais prestes a despertar com um mero despacho camarário, ladeado por um Sancho Pança travestido de chefe de gabinete, embrenha-se em mais uma cruzada pela "valorização do território", brandindo solenidade e promessas como armas. Cada pedra solta é uma oportunidade, cada telha caída, um “plano em fase de execução”.

E assim cavalga D. Quixote pela margem sul, confundindo ruínas com renascença, confundindo votos com virtude, confundindo propaganda com poesia, e a cultura, paciente como sempre, espera. Espera que um dia, talvez, alguém se lembre de a tratar com a dignidade que não cabe num discurso, mas sim num orçamento.

Até lá, que siga o espetáculo.

Cidade do Cinema no Barreiro

 Blockbuster de Promessas, Realidade em Stop-Motion

Barba Azul, 10.05.25

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Há projetos que nascem para mudar o mundo, outros, para mudar discursos, e há ainda aqueles que nascem apenas para encher panfletos de promessas, e capas de jornais regionais.

É este, o caso da gloriosa e eternamente iminente Cidade do Cinema no Barreiro, essa megaprodução do género ficção político-industrial, com argumento de Carlos Matos, produção de CDMInteractive e figurinos assinados por sucessivos autarcas de olhar visionário e bolso contido.

Anunciado com pompa, circunstância e uma pitada de megalomania, nos dourados anos 2000, o projeto prometia converter 20 hectares da Quimiparque, essa Disneylândia tóxica pós-industrial, num império audiovisual que deixaria Hollywood a chorar em Dolby Surround.

Estúdios de cinema, polos universitários, auditórios, laboratórios, milhares de empregos e, claro, a inevitável “atração internacional” que nunca falta nestes delírios de regeneração territorial.

Se alguém dissesse que estava prevista uma réplica digital do Óscar com sotaque alentejano, ninguém teria achado estranho.

Entre Sintra e o Barreiro, Deus escolheu o Barreiro, ou talvez não, se calhar, talvez tenha sido por avaliar os Barreirenses, como almas dóceis, de fé pronta e memória curta.

Aqui, uma promessa vale mais que uma obra, um sorriso e um aperto de mão, em campanha eleitoral, bastam para apagar anos de inércia, desleixo e oportunismo.

Os políticos repetem fórmulas gastas, slogans de papelão e inaugurações recicladas, e o povo, em vez de se indignar, aplaude com entusiasmo, como se fosse a primeira vez.

É essa paz resignada, que os torna presa fácil para quem faz da mentira um método, e da rotina do engano uma estratégia.

E assim se vive no Barreiro, entre o desalento e o conformismo, entre o que foi prometido e o que nunca chegará, com a cabeça baixa, mas no boletim de voto, está sempre pronto a repetir o erro.

Cascais recusou por questões ambientais, Sintra disse "não, obrigado", e o Barreiro, com o seu cocktail de amianto e esperança, foi considerado a “melhor alternativa”, porque quando todos os outros fogem, é aí que entra o Barreiro, com o seu charme oxidado e promessas que rendem mais votos que rendimentos.

Eram 300 milhões de euros que prometiam aterrar ali como se fossem extras num filme de super-heróis, mas, claro, como em qualquer produção portuguesa, não havia dinheiro para os efeitos especiais, nem para o guião, nem sequer para a claquete inicial.

O projeto foi debatido em assembleias, moções, congressos e cafés com bagaço, porque o PS queria acelerar o projeto, antes que ficasse, como um iogurte, fora do prazo.

O PCP dizia que o PS estava a usar o projeto como arma política, como se isso fosse uma novidade no cinema parlamentar, mas rumores de desvio para Loulé, surgiram como alternativa, ou talvez para manter a audiência acordada, e em 2008, alguém afirmava, com ar de produtor cansado, que o projeto estava pronto “para ser entregue à API”, mas ainda estavam à espera da ficha técnica.

Nada foi construído, nenhuma câmara foi vista, nenhum figurante foi contratado, e o único som ambiente que se ouviu na Quimiparque, foi o eco dos ratos a discutir qual deles interpretaria o protagonista da nova mini-série “O Desinvestimento”.

Os discursos, esses sim, mesmo sem infraestruturas, continuam a ser filmados em plano-sequência, sem cortes, com direito a banda sonora dramática e em tom menor.

Entretanto, os responsáveis locais, em vez de aceitarem que a “Cidade do Cinema” era apenas uma bobine vazia, viraram-se para outros projetos mais tangíveis.

Compraram o Teatro Cine do Barreiro, que vai ter de certeza, direito a cadeiras novas e um projetor que não derreta bobines.

Entretanto reanimaram o Cine Clube, porque afinal, o que é um município sem a sua dose anual de cinema francês, e pipocas compradas no Lidl?

O sonho, esse, continua a passar no Canal Memória, porque a Cidade do Cinema, essa epopeia inacabada, é hoje um símbolo, uma miragem no deserto, um monumento à arte de anunciar o que nunca se faz.

Infelizmente, este projeto, foi mais um triste episódio de uma série, sem fim, transformado num clássico do cinema político-português, à muito aceite pelos cidadãos, habituados ao género “planeamento estratégico com happy end cancelado”.

No fundo, o Barreiro teve a sua superprodução, só que, em vez de um filme, ganhou um trailer, e mesmo esse, com som intermitente, imagem tremida e legendas em atraso, permanecendo, como tantos outros, como um "sonho apenas anunciado"

A Ostra Fantasma do Tejo

Barba Azul, 09.05.25

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Um Conto de Promessas com Casca Rija

Olha, lá está ele outra vez a falar mal de alguém, dizem uns, não deve ter mais nada que fazer, dizem outros.

Talvez, tenham razão, mas caros amigos, o que me resta fazer quando o silêncio se torna cumplicidade e a indiferença um voto a favor?

Se criticar é tudo o que me resta para não adormecer a consciência, então deixem-me falar, mesmo que doa, mesmo que incomode, porque às vezes, o que parece maledicência é só o último grito de quem ainda não desistiu de se importar.

Depois desta introdução, e esclarecimentos devidos a quem se dá ao trabalho de ler as palavras que escrevo, vamos avivar, mais uma vez, algo que, tal como outras promessas, passaram e ficaram nas catacumbas do esquecimento da política.

A BIVALOR, soa a futuro, a inovação, a sustentabilidade, ou mais um nome com ares de start-up escandinava, mas com alma de promessa portuguesa, ruidosa no anúncio, silenciosa na execução.

Corria o ano de 2019, Rui Braga, então com o microfone na mão e o Tejo à retaguarda, prometia aos céus e à imprensa uma revolução molluscular.

Apresentaram-nos a Unidade de Depósito, Transformação e Valorização de Bivalves do Estuário do Tejo, um monumento à modernidade, erguido sobre berbigões, amêijoas e sonhos húmidos de conchas recicladas.

Com um investimento de 2,36 milhões de euros, anunciado como quem abre um templo do sushi em plena maré vazia, o futuro, diziam eles, o Barreiro, finalmente no mapa dos moluscos.

Mas eis que, como bom prato de marisco servido em restaurante de beira de estrada, a BIVALOR veio com areia, muita areia, areia talvez demais para as cabeças de alguns visionários de algibeira.

No primeiro episódio, problemas nas fundações, dizia-se, talvez as conchas não sustentassem sonhos de betão.

Em 2021, para não perder a tradição da segunda ronda de promessas, o Governo garantiu, "Agora é que é! Em agosto começa a obra!", uma frase tão repetida no Portugal profundo que podia constar no hino nacional.

Chegámos a 2025, e o Tejo continua lá, as amêijoas continuam a ser apanhadas em condições sanitárias dignas de um documentário distópico.

E a BIVALOR, bem, a BIVALOR permanece onde sempre esteve, na nebulosa confortável das intenções, entre o PowerPoint de 2019 e os comunicados de imprensa que nunca envelhecem porque nunca se concretizam.

E o investimento, o investimento agora, já vai nos 2,5 milhões, o milagre da inflação ou da fé, agora que Habemus Papa, e terminou a vacatura no Vaticano.

A página da Câmara Municipal do Barreiro sobre o tema, é um túmulo digital, o IPMA, mais ocupado em prever tempestades do que em esclarecer onde está a fábrica dos bivalves fantasmas, os responsáveis, em campanha, de férias ou promovidos, e o projeto, se calhar enterrado sob as fundações que nunca existiram.

Não há casca que aguente, este era o projeto que ia salvar os mariscadores, dizia Rui Braga, dinamizar a economia local, dar uma nova vida às conchas. No fim, nem cascas nem vida, só mais uma promessa que virou maré morta, ou talvez apareça, um dia, quem sabe, num qualquer cartaz da Cidade do Cinema.

Mas não desesperem, talvez em 2029, com novo figurino e novo nome, quiçá "BIVAPROMESSA 2.0", um outro Rui Braga apareça, como cabeça de cartaz, e se lembre de cortar mais uma fita num terreno baldio.

Com sorte, talvez tenhamos um novo ministro da tutela, obcecado por petiscos na frente ribeirinha, haverá berbigões congelados no catering, e tudo parecerá outra vez... fresco.

A Palhaçada da Soberania Democrática

Barba Azul, 09.05.25

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Leões de Manhã, Virgens à Tarde, Pistoleiros à Noite

O circo está de volta à cidade. Não, não é o Cirque du Soleil, mas aquele com lona gasta e palhaços profissionais de carreira.

As legislativas portuguesas de 2025, com promessas que duram menos que um contrato a prazo e debates mais vazios que a despensa de um estagiário, a campanha eleitoral voltou para nos lembrar que a política nacional já não é teatro, é um reality show de segunda categoria onde o guião é escrito por estagiários de marketing e ideólogos em burnout.

Na arena central temos os suspeitos do costume, à direita, o Governo que não foi bem eleito mas foi formado, liderado por um ex-pupilo de Passos Coelho com o entusiasmo de um técnico de fotocopiadoras em dia de greve.

Grita-se “estabilidade”, mas é aquela estabilidade do paciente em coma induzido, respira, mas não se mexe, composto por ministros, sortidos como rebuçados rançosos.

Há quem fale em reformas estruturais, mas só se forem às unhas.

Na esquerda, o grande bordel de siglas e ressentimentos.

O PS, numa crise de identidade existencial, tenta fazer esquecer que governou como centro-direita e agora promete governar como esquerda vintage.

O Bloco, sempre pronto a salvar o mundo, desde que não envolva sair de Lisboa.

E o PCP, preso num delírio soviético onde a culpa é sempre da NATO, do imperialismo ou da ASAE.

A extrema/direita, claro, o Chega com o seu show de horrores, numa mistura de testosterona mal canalizada, revanchismo suburbano e ressentimento transformado em programa político.

O partido, mais uma espécie de “Malucos do Riso” com orçamento de campanha, onde cada proposta parece saída de uma reunião de um condomínio de bêbados.

E os debates? Espetáculos de espuma e saliva, onde os argumentos são trocados por indignação performativa e interjeições de feira. “Isso é mentira!”, “Não me interrompa!”, “Os portugueses sabem!”, três frases repetidas em loop por todos, num teatro de indignação mútua onde ninguém ouve e toda a gente grita.

A comunicação social, sempre pronta a lamber a escova dos protagonistas, lá vai fingindo imparcialidade, enquanto convida os mesmos de sempre, para dizer as mesmas coisas de sempre sobre os mesmos temas de sempre.

Uma espécie de “loop da irrelevância” transmitido em direto e comentado por politólogos em regime de internato mediático.

Uma vez na rua, lançadas as campanhas, de manhã, à tarde e à noite, essa tripla metamorfose diária dos nossos candidatos merece um destaque clínico e ao mesmo tempo zoológico, ou como mudar três vezes de personalidade em 24 Horas sem partir um copo.

É cedo, mas o candidato já está a caminho de uma padaria nos subúrbios, rodeado de assessores com olheiras e a juba a cheirar a laca, ainda inchado das noitadas anteriores, jantares com empresários, telefonemas com jornalistas, brindes com autarcas em processo ou em negação.

A barriga está pesada de promessas mal digeridas e de copos servidos em nome da "proximidade", e a cada aperto de mão, um gesto automático, um sorriso estaladiço de quem ainda não percebeu se está no Seixal ou em Paredes de Coura.

À tarde, após umas tapas, para enganar o estômago, com o calor do sol, e camisas encharcadas, a metamorfose acontece, e surge então o candidato casto, puro, indignado com os ataques da oposição, e a memória seletiva entra em ação.

Berra a pulmões abertos, que, “Nunca foi acusado de nada”, “Jamais prometeu isso”, “Essa não é a sua visão de país”. Ou seja, tudo o que se diz, é falso, maldoso, descontextualizado, fingindo de forma descarada, que o currículo é imaculado, que as ligações ao poder económico são pura ficção, e que aquela empresa do irmão nunca recebeu nada do Estado.

No fundo, é como ver um jogador de futebol a protestar por um penalty evidente, com ar de quem nasceu no Santuário de Fátima ou Lourdes.

À noite, cai o sol, e com ele, a compostura, do pistoleiro submisso, sujeito a debates que mais se parecem como duelos ao pôr-do-sol.

A voz sobe de tom e os olhos esbugalhados, as mãos gesticulam como hélices soltas, porque cada adversário é agora um inimigo do povo, um traidor à pátria, um incompetente notório.

Só que há um detalhe trágico-cómico, pois o nosso pistoleiro tem péssima pontaria, dispara para o lado errado, troca nomes, confunde siglas, cita números de relatórios que nunca leu.

Mas o que conta, é a emoção e a intensidade vocal das palavras, e o povo aplaude, porque confunde agressividade com coragem e grosseria com autenticidade.

Este é o estereótipo do político-camaleão, criatura adaptável que sobrevive a qualquer ambiente desde que haja uma câmara por perto.

Não precisa de coerência, apenas de fôlego e maquilhagem, e amanhã, nasce um novo dia, onde tudo recomeça de novo

O leão, a virgem e o pistoleiro voltam ao palco, como personagens de uma peça trágica, e ao mesmo tempo cómica, em loop infinito, até às próximas eleições.

E o eleitor, esse ser mitológico, tratado como um débil mental a quem se vendem promessas em embalagens recicladas, com rótulos dignos de um qualquer estabecimento chinês, “Mais saúde!”, “Mais educação!”, “Menos impostos!”, tudo slogans produzidos por agências de publicidade, que, por acaso, também trabalham para marcas de margarina

Em suma, estas eleições não são uma escolha entre alternativas, são uma luta entre versões do mesmo fast-food político, servidas com molhos diferentes.

Uns com molho liberal, outros com vinagre populista, outros ainda com um toque de nostalgia sindicalista, mas no fim, o resultado será sempre o mesmo, azia democrática.

Ao fim de 51 anos, Portugal merece melhor, mas, aparentemente, Portugal escolhe sempre o mesmo menu, e depois ainda se queixa do sabor.