As granadas legislativas do Ventura.
Saia-me só da frente, que vou salvar Portugal com clichés e grenades legislativas!
Na mais recente encenação populista, com cheiro a napalm retórico, André Ventura apresentou aquilo a que chama um "programa político", mas que na verdade se assemelha mais a uma lista de desejos, escrita por um justiceiro com défice de leitura constitucional e excesso de horas no YouTube.
A pose foi beligerante, o verbo inflamado, e o conteúdo uma orgia de propostas tão irrealistas quanto reconfortantes para quem acha que a complexidade do mundo se resolve com berros e bandeiras.
Com a subtileza de uma britadeira em operação, Ventura apontou o dedo ao PS e ao PSD, como quem denuncia os donos da festa depois de passar anos a dançar no meio da sala.
Como não podia deixar de ser, retomou os greatest hits da casa, imigração significa insegurança, fiscalidade é opressão, corrupção só os outros, um autêntico clássico, onde só faltou o comboio da CP e os árbitros da Liga para completar o ramalhete da desgraça.
A ideia de deportar automaticamente imigrantes condenados por crimes graves é vendida como um ato de coragem patriótica, quando na verdade é um convite a processos judiciais infindáveis, sanções internacionais e escândalos diplomáticos.
Mas isso pouco importa, o objetivo nunca foi resolver problemas, apenas inflamá-los, afinal, Ventura sabe que um imigrante na capa de um tabloide vale mais do que dez páginas do Diário da República.
Numa proposta digna de um episódio sombrio de Black Mirror, o líder do CHEGA quer aplicar castração química como se fosse um repelente para reincidência. O problema, é que é inconstitucional, ilegal em quase toda a Europa e eticamente abominável, mas convenhamos, quando se governa a partir do ressentimento, o detalhe dos direitos humanos é só um empecilho chato.
A proposta de uma taxa única de IRS a 15% é o equivalente fiscal a oferecer champanhe aos milionários enquanto se distribui água da torneira aos restantes.
Ventura veste-se de homem do povo, enquanto promove medidas que dariam arrepios a qualquer contabilista decente, ou a um Estado que ainda queira ter dinheiro para pagar escolas, hospitais ou as escoltas que inevitavelmente acompanharão a sua presidência imaginária.
Eliminar o IMI é uma forma subtil de dizer, “amigos do betão, sejam bem-vindos”, sob o pretexto de proteger a “família portuguesa”, mas o que se promove é a destruição das finanças locais e o paraíso dos fundos imobiliários, porque para Ventura, os presidentes de câmara, esses, que se aguentem com rifas e peditórios.
No que toca ao IRS, Ventura substitui o planeamento familiar por um plano de incentivos tributários, não se trata de apoiar famílias, trata-se de premiar um modelo específico de mulher, tipo reprodutora submissa patriótica.
Para as solteiras, divorciadas ou casais sem filhos, nada feito, pois quem manda são os úteros alinhados com a cruz e a espada.
O combate à corrupção pela via da criminalização sumária, parece justo, até percebermos que o que se propõe é um Estado que acusa sem provas e presume a culpa.
Ventura vende isto como justiça popular, mas o que oferece é apenas um espelho onde se reflete a sua obsessão com manchetes e execuções públicas de reputações.
A frase dirigida a Luís Montenegro é o resumo perfeito do CHEGA, muita força na voz, pouco conteúdo na proposta.
Ventura não quer governar, quer berrar, dividir e alimentar a fogueira onde se queima o bom senso, porque o seu programa não é um plano para o país, é um manifesto para a revolta perpétua, mais um PowerPoint de demagogia, entre outros, revestido a indignação.
Mas atenção, há quem aprove e aplauda, e isso diz tanto sobre Ventura, quanto sobre o estado de um país que se habituou a confundir gritaria com liderança.