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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

As granadas legislativas do Ventura.

Barba Azul, 11.05.25

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Saia-me só da frente, que vou salvar Portugal com clichés e grenades legislativas!

Na mais recente encenação populista, com cheiro a napalm retórico, André Ventura apresentou aquilo a que chama um "programa político", mas que na verdade se assemelha mais a uma lista de desejos, escrita por um justiceiro com défice de leitura constitucional e excesso de horas no YouTube.

A pose foi beligerante, o verbo inflamado, e o conteúdo uma orgia de propostas tão irrealistas quanto reconfortantes para quem acha que a complexidade do mundo se resolve com berros e bandeiras.

Com a subtileza de uma britadeira em operação, Ventura apontou o dedo ao PS e ao PSD, como quem denuncia os donos da festa depois de passar anos a dançar no meio da sala.

Como não podia deixar de ser, retomou os greatest hits da casa, imigração significa insegurança, fiscalidade é opressão, corrupção só os outros, um autêntico clássico, onde só faltou o comboio da CP e os árbitros da Liga para completar o ramalhete da desgraça.

A ideia de deportar automaticamente imigrantes condenados por crimes graves é vendida como um ato de coragem patriótica, quando na verdade é um convite a processos judiciais infindáveis, sanções internacionais e escândalos diplomáticos.

Mas isso pouco importa, o objetivo nunca foi resolver problemas, apenas inflamá-los, afinal, Ventura sabe que um imigrante na capa de um tabloide vale mais do que dez páginas do Diário da República.

Numa proposta digna de um episódio sombrio de Black Mirror, o líder do CHEGA quer aplicar castração química como se fosse um repelente para reincidência. O problema, é que é inconstitucional, ilegal em quase toda a Europa e eticamente abominável, mas convenhamos, quando se governa a partir do ressentimento, o detalhe dos direitos humanos é só um empecilho chato.

A proposta de uma taxa única de IRS a 15% é o equivalente fiscal a oferecer champanhe aos milionários enquanto se distribui água da torneira aos restantes.

Ventura veste-se de homem do povo, enquanto promove medidas que dariam arrepios a qualquer contabilista decente, ou a um Estado que ainda queira ter dinheiro para pagar escolas, hospitais ou as escoltas que inevitavelmente acompanharão a sua presidência imaginária.

Eliminar o IMI é uma forma subtil de dizer, “amigos do betão, sejam bem-vindos”, sob o pretexto de proteger a “família portuguesa”, mas o que se promove é a destruição das finanças locais e o paraíso dos fundos imobiliários, porque para Ventura, os presidentes de câmara, esses, que se aguentem com rifas e peditórios.

No que toca ao IRS, Ventura substitui o planeamento familiar por um plano de incentivos tributários, não se trata de apoiar famílias, trata-se de premiar um modelo específico de mulher, tipo reprodutora submissa patriótica.

Para as solteiras, divorciadas ou casais sem filhos, nada feito, pois quem manda são os úteros alinhados com a cruz e a espada.

O combate à corrupção pela via da criminalização sumária, parece justo, até percebermos que o que se propõe é um Estado que acusa sem provas e presume a culpa.

Ventura vende isto como justiça popular, mas o que oferece é apenas um espelho onde se reflete a sua obsessão com manchetes e execuções públicas de reputações.

A frase dirigida a Luís Montenegro é o resumo perfeito do CHEGA, muita força na voz, pouco conteúdo na proposta.

Ventura não quer governar, quer berrar, dividir e alimentar a fogueira onde se queima o bom senso, porque o seu programa não é um plano para o país, é um manifesto para a revolta perpétua, mais um PowerPoint de demagogia, entre outros, revestido a indignação.

Mas atenção, há quem aprove e aplauda, e isso diz tanto sobre Ventura, quanto sobre o estado de um país que se habituou a confundir gritaria com liderança.

Montenegro, o herói dos reformados... por acidente

Barba Azul, 08.05.25

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Luís Montenegro, esse altruísta compulsivo, anda em campanha a anunciar que "fez muito pelos reformados", e tem razão. Fez imenso, tal como aquele miúdo que empurra um botão vermelho, numa central nuclear e depois aparece nas notícias como “jovem ativa reator e salva cidade do apagão”.

Montenegro, qual escravo do poder, conseguiu, com o mesmo talento involuntário, melhorar a vida dos reformados, apesar de todos os seus esforços para não o fazer.

É comovente ver o nosso Primeiro-Ministro, homem de princípios sólidos como gelatina ao sol, a gabar-se das reformas aprovadas no Parlamento como se tivesse suado as estopinhas, e feito das tripas coração, por elas.

Ele que, durante os debates, torceu o nariz a cada proposta da oposição com o entusiasmo de um adolescente diante de espinafres cozidos, mas mal percebeu que os partidos da oposição se uniram e aprovaram as medidas à revelia do seu governo, correu logo a pôr a medalha ao peito, aplaudindo essas medidas da oposição, o seja, o equivalente político de um miúdo que rouba o bolo da festa, e depois se gaba de ter sido ele a fazer a cobertura e a colocar as velas.

Claro que ele agora percorre o país, com aquele ar grave, ao estilo, "pai dos pobres com carteira de offshore", a dizer que o seu governo “não virou as costas aos pensionistas”.

E não virou, de facto, virou-lhes foi a cara, de preferência para o lado em que estava a câmara da televisão, mas sempre com um sorriso despachado e irritante que diz, “olhem para mim a fingir que isto foi ideia minha.”

Os aumentos das pensões, foram propostos e aprovados pelo PS, pelo Bloco, pelo PCP, e até por aquele deputado da Iniciativa Liberal que só queria lá estar para baixar impostos sobre charutos de importação.

Perante os factos, Montenegro viu-se obrigado a promulgar essas medidas com o mesmo entusiasmo com que alguém aceita uma cunha da sogra, contrariado, mas a sorrir para não estragar o Natal.

E não são só os reformados, pois fala-se em habitação, apoios sociais e saúde, e em cada uma destas áreas, Montenegro proclama feitos como quem reclama direitos de autor por ter lido um livro editado em 1900.

Esquece-se é de dizer que as suas ideias originais consistiam em “apertar o cinto”, “trazer rigor orçamental” e “dar tempo ao mercado”, expressões que, em política, significam sempre: “esperem sentados, de preferência em cima de um prego.”

Mas eis que a oposição, essa malvada, legislou, e legislou com eficácia, tramando a arrogância arregaçada de Montenegro, e Montenegro, com a coragem de um coelho a dar entrevista, veio depois anunciar que o mérito era única e exclusivamente dele.

No fundo, é o político que tropeça nos resultados dos outros, cai em cima deles, espalha-se aí comprido, e depois levanta-se com ar de campeão olímpico.

Podemos, portanto, concluir que Luís Montenegro é o verdadeiro Robin Hood às avessas. Rouba as ideias à oposição para oferecer à sua imagem pública, e como qualquer herói moderno, tem um superpoder raro, o dom de transformar derrotas parlamentares em brochuras de campanha.

Por isso, sim, caros reformados, agradeçam a Montenegro, não porque vos ajudou, mas porque teve o bom senso de não vetar tudo, e, num país habituado a governos, que até tiram tapetes vermelhos aos idosos, já é um feito.

E o melhor disto tudo, é que ele acredita mesmo que foi ele que fez tudo, enquanto os outros atrapalhavam. Isto, sim, é liderança, acreditar na própria ficção, com uma convicção tão sólida que até os outros começam a duvidar da realidade.

Senão, vejamos. Luís Montenegro, o homem que se auto-elogia com a destreza de quem se condecora ao espelho, resolveu brilhar no capítulo das carreiras profissionais da função pública.
Diz que o seu governo “descongelou anos de injustiça”, que “valorizou os profissionais” e que “cumpriu o que outros prometeram”.

E não mente, só que omite descaradamente, com aquele brilho sarcástico nos seus olhos azuis, o que, em política, se pode definir como um desporto olímpico sem regras.

O que Montenegro nunca menciona, por esquecimento seletivo ou vergonha súbita, nunca saberemos, é que as medidas de recuperação dos anos de congelamento nas carreiras foram aprovadas a pontapé pela oposição.

A "Oposição em conluio", palavras de Montenegro, Bloco, PS, PCP, até o PAN, esse partido que normalmente só se mete em coisas que não andam de mochila às costas para o Parlamento, empurraram as medidas para a frente.

Montenegro tentou barrar, contorcendo-se em argumentos até à medula, como quem tenta convencer um bombeiro a não apagar um incêndio porque “a cinza também tem o seu charme”.

Mas como perdeu em votação, ficou sem alternativa a não ser aplicar-se na matéria, e aplicou as medidas aprovadas, contra sua vontade, apresentando-se agora como o "Camões da contabilidade pública", declamando que “ninguém valorizou mais os professores, os médicos e os técnicos do que ele”.

Um verdadeiro poeta da hipocrisia, porque, sejamos honestos, Montenegro só valorizou essas carreiras quando percebeu que não tinha votos suficientes para as desvalorizar.

Ainda há semanas, o Primeiro-Ministro falava com ar compungido sobre “os limites da responsabilidade orçamental”, como se pagar às pessoas aquilo que lhes é devido fosse um atentado à Constituição.

Agora, em campanha, diz com aquele ar pungente de padeiro do Estado Social, que sempre foi seu plano e intenção, “resgatar a dignidade” dos profissionais da função pública.

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, e só nos falta ouvir da sua boca desafinada, que foi ele que descobriu o conceito de progressão nas carreiras.

Hipocrisia, não, isto é mais do que hipocrisia, é uma espécie de auto-psicose política, em que o governante não apenas se contradiz, acredita mesmo que tudo o que foi forçado a fazer por pressão parlamentar foi ideia dele desde o início.

A isto chama-se liderança por retrovisores, olha-se para trás, vê-se o que os outros fizeram, e depois acelera-se a narrativa na direção do culto de personalidade.

Luís Montenegro está, na prática, a fazer campanha eleitoral com o trabalho legislativo da oposição, e que, se fosse um filme, chamava-se “O Ladrão de Carreiras, um drama em vários escalões.”

E enquanto os professores continuam sem saber se contam com o tempo todo, os técnicos de diagnóstico veem reconhecido só metade, e os enfermeiros têm que escolher entre ser pagos ou poder pagar contas,.

Montenegro, esse arquitecto do vazio, continua a sorrir, a cortar fitas em nome de medidas que tentou travar, e a falar em nome de uma justiça que só aceitou porque a democracia lhe a enfiou goela abaixo.

Se isto não é política ao estilo reality show, então não sei o que é.
Luís Montenegro é o concorrente que foi expulso pela verdade, mas que continua a dar entrevistas na gala final, como se tivesse sido o vencedor.

Cavaco Silva: O Último Apelo

Barba Azul, 07.05.25

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A Múmia - Uma Tragédia com o Rosto do Passado

Afinal, Cavaco Silva resolveu voltar a escrever, para mostrar que está atento e que ainda existe.

Não é que a gente já tenha sentido falta, mas, como um bom dramaturgo grego, ele lá aparece com o seu último artigo, qual espectro da democracia, tão imortal quanto os velhos clichês de um ex-presidente que nunca quis sair de cena, como um ator que, após décadas a interpretar o papel do "intocável", não consegue largar o palco, mas também não sabe mais como atuar.

E o que nos traz desta vez o sábio Cavaco Silva? Um artigo a cheirar a naftalina, mofo, digno de uma encenação de teatro de sombras.

Lá vem Cavaco Silva, a Múmia de má memória, saído de uma qualquer catacumba com a sua prosa impoluta, cheia de frases que mais parecem saídas de uma retórica que não passou pelo filtro da modernidade, como se a crise que ele já ajudou a alimentar em 2011 fosse apenas um detalhe do enredo.

A crise? Não, não, isso é um jogo de palavras, o que ele quer mesmo é jogar o seu último "ato" político, e para tal, nada melhor que um passo doble clássico: "Eu avisei, sempre avisei, agora não se queixem."

Sim, Cavaco Silva, o eterno arauto da prudência, o porta-voz da austeridade, o homem que nos levou à bancarrota, para depois se orgulhar de ter prevenido a tragédia, com um sorriso hipócrita de satisfação envergonhado.

Agora, surge a desfiar as suas previsões, como quem lê o guião de uma tragédia que já viu mil vezes, uma peça gasta, em que até os suspiros são ensaiados, e sabe, no fundo, que o público já não aguenta mais a mesma história.

Mas ele insiste, insiste com a convicção de quem se recusa a aceitar o tempo como fator de mudança, como se a repetição pudesse, por alguma arte mágica, alterar o desfecho.

Apresenta-se com aquele tom resignado, quase ofendido, típico de quem se escuda na velha desculpa, argumentando que “não foi culpa dele”, como se a autoria da desgraça fosse sempre alheia, e ele, fosse apenas um narrador inocente e nunca um ator cúmplice, um técnico nos bastidores que tropeça nos cabos e depois jura que a culpa foi da iluminação.

E ali está ele, empoleirado no palanque da sua própria irrelevância, debitando números, tendências e condicionantes externas com a solenidade de um oráculo falido.

Fala de conjunturas como quem recita feitiços antigos, esperando que a bruma da tecnicidade oculte o vazio do conteúdo.

Vai enfileirando palavras, como quem empilha tijolos húmidos, sabendo que o muro não vai sequer aguentar a primeira chuva de críticas.

Mas prossegue, impávido, porque aprendeu a arte de sobreviver no meio do descrédito, desviando, diluindo, distribuindo culpas com a elegância de um trapezista político que nunca cai, porque nunca arrisca realmente sair da corda bamba onde se habituou a balançar, sem sair do sítio.

O público, esse, já não protesta, não há vaias, nem aplausos, apenas um silêncio saturado, não o da atenção, mas o da desistência. Já não esperam nada dele, e talvez seja esse o seu maior trunfo, ter-se tornado tão previsivelmente inútil que ninguém mais se dá ao trabalho de o contrariar.

Ele, claro, interpreta esse silêncio como tolerância, talvez até como aprovação tácita, com um lacónico sorriso ensaiado, olhar ligeiramente humedecido, como quem carrega o fardo da responsabilidade sem nunca ter pegado realmente no peso.

Fica bem claro para o comum do cidadão, que se aproxima do final da sua performance, não com um clímax, mas com um encolher de ombros solene, a sua marca registada.

A plateia, já meio dispersa, finge escutar por educação ou por hábito, como quem ouve um relógio antigo a dar as horas, pois sabe-se o que vem a seguir, não há surpresa, só o som enferrujado da rotina.

Conclui com uma promessa vaga, embrulhada numa metáfora pobre, e numa expressão facial que tenta imitar gravidade, mas que só revela cansaço, ou talvez o vazio confortável de quem já deixou de acreditar nas próprias palavras, mas continua a usá-las por uma questão de reflexo condicionado.

Sai de cena devagar, como quem espera um aplauso que não vem, ainda a olhar por cima do ombro, a ver se há alguma réstia de atenção que possa colher, mas nada, nem um sussurro, apenas cadeiras vazias e gente a olhar para o telemóvel.

Afinal de contas, uma narrativa sem substância não merece holofotes, apenas o escuro silencioso de uma sala onde já ninguém quer voltar a sentar-se

Perante este triste desempenho, que mais se pode dizer de um homem que, ao invés de sair pela porta grande, faz-se de último herói da resistência, embora, claro, todos saibam que ele estava lá, no fundo, a dar ordens para que a porta não se fechasse.

Cavaco Silva, com a sua eterna postura de mártir, de quem nunca errou porque "estava apenas a fazer o que era necessário", surge com uma encenação e texto, que poderia ter sido escrito em 1990, 2000 ou 2010, porque a verdade é que ele nunca precisou de atualizar a sua visão do mundo.

Continua a achar que "a estabilidade" e "a prudência" são valores eternos, mas isso é um valor apenas para quem já está confortável na sua poltrona, usufruindo de todas as mordomias, ouvindo o eco da sua própria voz, como um político que continua a ser relembrado como um herói do passado, mas que se esquece de que foi, também ele, parte do problema.

Mas é claro, ao final de tudo, o que poderíamos esperar de Cavaco Silva senão uma comédia trágica disfarçada de sabedoria, porque "O maior problema de Cavaco Silva é, e sempre foi, achar que alguém ainda está a ouvir o que ele diz."

Fala como se o país inteiro estivesse suspenso das suas palavras, quando na verdade apenas os ecos dos salões austeros de Belém ainda se dão ao trabalho de repetir-lhe as frases.

Agarra-se ao passado como quem segura um diploma desbotado, convencido de que a autoridade de ontem ainda tem validade no presente, e assim continua, imperturbável, distribuindo sentenças como se fossem oráculos, alheio ao facto de que o país já virou a página, ou melhor, mudou de livro.

Teimoso como é, insiste em sublinhar parágrafos de um capítulo que só ele ainda relê, convencido de que a História lhe deve alguma explicação, quando, na verdade, é ele quem já não tem mais nada a dizer.

Infelizmente, cá estamos, mais uma vez, a rir da tragédia que nunca vai terminar.

Centeno, ou C€nt€no?

Barba Azul, 06.05.25

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O banqueiro que se esqueceu do "power nap", por uns míseros €€.€€€.

Eis que o outrora ministro das finanças, o homem que nos prometeu o paraíso orçamental com a mesma convicção com que um vendedor de banha da cobra garante a cura para a calvície, agora nos sorri, altivo, do seu poleiro no Banco de Portugal.

Mário Centeno, o mestre da contabilidade criativa, o ilusionista dos défices, o Houdini das dívidas, o homem que nos fez acreditar que o dinheiro cresce nas árvores... ou, pelo menos, nos Excel.

Recordam-se dos tempos áureos em que Centeno nos brindava com previsões económicas que rivalizavam com os horóscopos da Maya? "Excedente orçamental", dizia ele, com um brilho nos olhos que só se vê nos vendedores de aspiradores porta-a-porta.

"Crescimento robusto", garantia, enquanto a economia portuguesa cambaleava como um bêbado à saída de um bar, e nós, pobres mortais, acreditávamos, embevecidos com a sua lábia de vendedor de sonhos.

Agora, do alto da sua torre de marfim, na poltrona do Banco de Portugal, Centeno observa-nos com um ar de superioridade, como se dissesse: "Viram? Eu bem vos disse que isto ia tudo correr bem... para mim, claro."

E enquanto nós, os contribuintes, continuamos a pagar a fatura das suas mirabolantes previsões, ele desfruta de um salário chorudo e de um cargo vitalício, protegido da realidade como um urso polar no seu iglu.

Mas não nos deixemos enganar por este sorriso Colgate de banqueiro. Por detrás da fachada de homem sério e competente, esconde-se um político astuto, um mestre da retórica, um especialista em fugir às suas responsabilidades. Afinal, como diz o ditado, "quem desvia o olhar quando o barco afunda, é o primeiro a chegar à ilha deserta".

E assim, Mário Centeno, o homem que nos ensinou que a austeridade é apenas uma questão de perspetiva, ou como está na moda, percepção, ele continua a sorrir, enquanto nós, os contribuintes, continuamos a pagar a conta.

Mas não se preocupem, meus amigos, porque como ele próprio diria, "isto é apenas um ajustamento técnico". Ou, como diria alguém nosso conhecido, "isto é só mais um dia na Disneylandia do Centeno".

Pedro Nuno Santos

Iluminando a Nação com Palavras Vazias

Barba Azul, 29.04.25

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No dia 28 de Abril de 2025, quando boa parte da Europa mergulhava num apagão elétrico sem precedentes, Portugal teve o privilégio de ser agraciado com a mais brilhante das centelhas, as declarações de Pedro Nuno Santos. Num momento em que se apagavam as luzes, acendeu-se a retórica, aquela velha vela do político moderno, que ilumina tudo sem aquecer nada.

Pedro Nuno, numa comovente demonstração de liderança de bastidor, apareceu perante as câmaras com a pose ensaiada de um estadista de telefilme de domingo à tarde. Olhos semicerrados, tom grave, gravata patriótica. Lamentou profundamente o inconveniente vivido por milhares de portugueses, como se estivesse a falar de um atraso no metro e não do colapso simultâneo de infraestruturas críticas. Disse estar em contacto com os parceiros europeus, o que todos sabemos significar que alguém da assessoria está a seguir o hashtag no X.

Fez questão de garantir que o país respondeu com resiliência, embora a definição de resiliência, segundo a nova gramática socialista, seja aparentemente sinónimo de ficar quieto no escuro até passar. Afirmou ainda que o governo está a apurar responsabilidades, o que é curioso, pois são normalmente apuradas para dar em nada, como quem peneira areia à procura de diamantes e só encontra mais areia.

Mas o momento alto, ou talvez mais baixo, foi quando Pedro Nuno Santos disse que esta crise demonstra a necessidade de reforçar a nossa soberania energética. E disse-o como quem acabou de inventar o conceito, esquecendo convenientemente os anos em que o seu próprio partido vendeu a rede elétrica, desmantelou refinarias e transformou a independência energética em dependência fotovoltaica dependente do sol, que, nesse dia, ironicamente, também não apareceu.

Foi um momento de rara coerência, o apagão energético foi acompanhado de um apagão de ideias, de responsabilidade e de vergonha.

Pedro Nuno, qual farol apagado num mar de desorientação, manteve-se firme no seu papel, o de parecer que lidera alguma coisa, enquanto lidera o parecer.

Pedro Nuno Santos, como tantos outros artistas do palco político português, sempre viveu na confortável ilusão de que o futuro é apenas uma abstração conveniente, um problema para o próximo ministro, para o próximo ciclo, para o próximo apagão. Enquanto esteve no Ministério das Infraestruturas, preferiu os grandes anúncios aos pequenos detalhes, os powerpoints aos planos de contingência, os discursos inflamados às infraestruturas resilientes.

Pensar em falhas sistémicas era antipatriótico, preparar o país para uma crise energética era pessimista, prever vulnerabilidades era coisa de tecnocrata sem visão política.
Mas acontece que Pedro Nuno sempre foi mais performer do que engenheiro, mais estratega de imagem do que gestor de sistemas críticos. A sua consciência, tal como a rede elétrica europeia naquele dia, teve uma queda abrupta, só que ele ainda não percebeu, nem quer perceber, que um jogador quando entra em jogo, precisa, acima de tudo, ser coerente e reconhecer que, precisa ser mais humilde, e deixar de sacudir a água do capote.

Politicamente, as declarações de Pedro Nuno Santos funcionaram como um espelho fosco, não mostram nada, mas servem para fingir que ainda há reflexo. Ao surgir como figura responsável e visionária no meio do caos, tenta reescrever a narrativa, como se não tivesse tido anos para preparar o país, como se o apagão tivesse caído do céu como um raio divino e não como consequência previsível de redes frágeis, decisões negligentes e uma estratégia energética feita a régua e esquadro de Bruxelas, sem margem para realidades locais, com a sua anuência e do seu chefe António Costa.

No entanto, lá estava ele, a falar de lições a tirar, expressão favorita de quem falhou, mas prefere capitalizar o erro como se fosse uma oportunidade.

Mostra-nos um verdadeiro mestre da arte circense, fazendo o pino com duas piruetas à retaguarda, não explicando nada, não assumindo nada, e não resolvendo nada, mas falou, e em Portugal, às vezes, isso basta para demonstrar competência e acção, quando afinal o resultado dessa (in)competência, é sinónimo de irresponsabilidade.

O Banqueiro de Ouro: Mário Centeno e a Economia da Humilhação

Barba Azul, 28.04.25

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Mário Centeno é, dizem-nos, uma história de sucesso, um self made man, um exemplo de como o génio individual, quando temperado por uma humildade artificialmente desajeitada e um sorriso de professor de Excel, pode ascender acima da turba ingrata que se esfarrapa entre salários mínimos, hipotecas e filas para consultas no SNS.

Centeno, o menino bonito da troika domesticada, licenciado, doutorado, bajulado, o eterno aluno que nunca precisou de trabalhar como caixa do Pingo Doce, nem de explicar a um call center da NOS que não pediu mais um pacote de Sport TV. Enquanto os cidadãos comuns acumulavam contratos a prazo e recibos verdes, Centeno saltitava entre as confortáveis bolhas académicas e almofadas douradas da função pública.

Foi nomeado Ministro das Finanças em 2015, mas na prática foi canonizado como São Mário da Consolidação Orçamental, padroeiro dos défices baixos e dos cortes silenciosos.

Vendido à populaça como o Ronaldo das Finanças, Centeno conseguiu aquilo que parecia impossível, arruinar a vida de milhares de portugueses, enquanto sorria e recebia prémios internacionais.

Foi uma verdadeira proeza, só comparável ao Milagre de Fátima, pois, enquanto o comum dos mortais via as prestações da casa subirem, os contratos de trabalho evaporarem-se e os serviços públicos entrarem em colapso, Centeno era aplaudido pelas boas práticas e serviços prestados, em Bruxelas.

Como se o que atrás se descreve, não bastasse, agora, sentado confortavelmente no topo da pirâmide do Banco de Portugal, embolsa 19.000€ por mês, mais de 200.000€ anuais, sem contar com carro oficial, motorista, cartão de crédito para "representação", subsídios vários e um seguro de saúde que o poupa às listas de espera do SNS que ajudou a estrangular.

Em 2015, quando Portugal ainda lambia as feridas de austeridades e PEC's, o salário do Governador do Banco de Portugal rondava os17.000€ mensais. Em 2020, já com Centeno no comando, este valor subiu para 19.000€, um crescimento de cerca de 12%. Durante o mesmo período, o salário médio nacional cresceu menos de 3%, enquanto a inflação engolia qualquer vestígio de progresso nos salários.

A cereja no topo do bolo foi o aumento orçamental da instituição que lidera, cujos custos com pessoal passaram de169 milhões de euros em 2018 para mais de 180 milhões em 2023.

E enquanto escrevo estas linhas, não poderia deixar de mencionar a triste realidade vivida por professores a percorrer centenas de quilómetros por salários de 1.100€ brutos, enfermeiros a abandonar o país por 1.200€ líquidos e trabalhadores de caixas de supermercado a sobreviver com 820€ mensais, valores tão miseráveis que até parecem piadas de mau gosto quando comparados com a realidade paralela de Mário Centeno.

Enquanto a esmagadora maioria dos portugueses conta trocos para pagar rendas que duplicaram em cinco anos, o Banco de Portugal continua a distribuir generosas remunerações a uma elite blindada à realidade. Segundo os Relatórios de Sustentabilidade, mais de 300 funcionários da instituição auferem salários acima dos 5.000€ mensais, num país onde cerca de 60% da população ativa não chega aos 1.000€ líquidos.

Mas claro, a narrativa oficial vende-nos o mito do salvador, Centeno, o homem que equilibrou contas, que devolveu rendimentos, que trouxe confiança.

Mas Confiança para quem? Para os mercados, para Bruxelas, para os bancos, para todos, menos para os cidadãos que viram carreiras congeladas, serviços degradados e sonhos hipotecados.
Já no tempo dos meus avós, havia um outro salvador, também ele das finanças, que se chamava Salazar.

Lembram-se das cativações brutais entre 2016 e 2020?

Das greves no sector da saúde por falta de condições?

Dos professores que perderam tempo de serviço?

Tudo sacrificado no altar do défice zero, o mesmo défice que lhe abriu as portas para a cadeira dourada onde agora se senta, intocável, inacessível, indiferente.

Entretanto, a inflação disparou para valores acima de 8% em 2022, os juros subiram em flecha, as famílias perderam as casas, e os recordes de emprego apregoados, apenas esconderam e disfarçaram uma triste precariedade crónica. Mas no mundo de Centeno, tudo permanece sereno, com o seu salário indexado à inflação, garantindo-lhe que, enquanto as famílias têm que escolher entre aquecer a casa ou pôr comida na mesa, o ordenado de Centeno foi engordando com a mesma tranquilidade com que o país definha.

Quem viveu com medo da carta do banco?

Quem esperou dois anos para uma cirurgia oftalmológica?

Quem se viu obrigado a emigrar para limpar quartos em Birmingham ou servir Uber Eats em Paris?

Certamente não foi o Menino de Ouro, que passou da cadeira ministerial para a presidência do Banco de Portugal como quem muda de camarote no Estádio da Luz. Tudo bem acolchoado, tudo bem remunerado, com um mandato longo o suficiente para que a crise seguinte rebente nas mãos de outro qualquer incauto.

E que dizer do presente?

O cidadão comum paga mais impostos do que nunca, vê os salários reais encolherem como t-shirts chinesas na primeira lavagem, enfrentando uma inflação que transforma carne de vaca num artigo de luxo e peixe fresco num troféu de domingo.

No entanto, Centeno continua a ser uma entidade etérea, acima do bem e do mal, recebendo palmadinhas nas costas e convites para painéis sobre "Boas Práticas de Governança Financeira". Um verdadeiro mestre da realidade paralela.

Centeno não é mais do que um símbolo de um sistema que remunera quem aperta o garrote em nome de "responsabilidade orçamental", enquanto condena milhões a sobreviver com salários de miséria, rendas absurdas e serviços públicos em ruínas.

Enquanto uns vivem entre rendas insuportáveis, consultas adiadas e a eterna ansiedade de perder o emprego, Mário Centeno paira, impoluto, intocável, irrepreensível, sobre o lamaçal que ajudou a criar.
Mário Centeno, não salvou o país, salvou-se a si mesmo, e deixou-nos a conta.

Se há justiça divina, ou está cega ou deve estar em greve.

Bruno Vitorino, o Empresário da Política

Barba Azul, 27.04.25

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Mais um fenómeno da política nacional que não deixa ninguém indiferente. Bruno Vitorino, que se instalou de armas e bagagens na política local do Barreiro ainda não tinha idade para votar, aproveitou uma distração dos velhos militantes do PSD para se encavalitar na Presidência da Concelhia local com os votos da Jota.

Tendo à mão a associação juvenil Geração 2000 e a Associação de Estudantes da Escola Secundária, encontrou os finaciamentos certos e os jovens crédulos necessários para conquistar a sua parte da política local. Os tempos de Cavaco Silva e as alvíssaras europeias dadas ao associativismo juvenil foram o terreno nos quais o empresário da Política Bruno Vitorino germinou as suas sementes.

Daí a chegar a Vereador e Presidente da Distrital foi um saltinho. Foi muleta da Câmara Comunista, e logo depois, da Socialista, e trocou lugares como quem troca cromos. Com olho para o negócio, posicionou a sua gente. Não houve Instituto, Hospital ou lugar da hierarquia camarária que tenha escapado às artes negociais deste comerciante político, messias da economia do lugar partidário, que, trazendo no currículo um lugar de maqueiro se identificou, em folhetos de propaganda como “Empresário”.

Tal como as senhoras da noite que não querem confessar a sua verdadeira profissão, o visionário do merchandising das nomeações públicas, intitulou-se empresário e saltou para o Parlamento. Agarrou-se à perna de Passos Coelho e acabou em Vice- Presidente do Partido. Um dia, estava destinado a ser Ministro, talvez sem pasta, provavelmente, com muita pasta. A fazer quilómetros de Palmela para Lisboa, como fazia em tempos para a Câmara do Barreiro, o sucesso comercial da aventura, estaria sempre garantido.

Caiu mal, porque caiu junto com Passos, e voltou à base, a vender câmaras de segurança para as ruas da cidade e a reclamar de cocós de cão, como se a isso se resumisse a vida autárquica e as preocupações dos Barreirenses. Anda agora, à procura de cromos para a troca, como bom mercador que é. Vindo do nada, tendo realizado nada, e passado uma vida politica de quase quarenta anos sem ter nada, mas absolutamente nada para mostrar, para além dos lugares que conseguiu para a sua gente, aí está ele de volta às bocas do mundo, ou...

… Pelo menos, à boca de outro inútil da política que nada deixa na memória para além de palavras sem conteúdo, Pinotes Batista, que parece querer dar um empurrão a este seu congénere, talvez por medo de vir a precisar de trocar alguns cromos com ele, ou já em antecipação de uma geringonça de centro que antevê, seguramente, funcionará melhor com alguém que já tem comprovados créditos comerciais junto de todas as forças políticas. Bruno Vitorino é eclético: negoceia com todos desde que o negócio seja bom.

Agora, entre câmaras, fruta podre e cocó, vai andar à procura de mais incautos que votem nos seus candidatos, e a respiração boca-a-boca que lhe foi dada nas celebrações do último 25 de Abril pelo próprio Presidente Socialista da Assembleia Municipal, foi suficiente para ressuscitar este Empresário do PPD. Estejam de olho nele, que ainda vai longe. Só lhe falta a benção de Montenegro para voltar às grandes lides. Como dizia o Zé Maria: fruta podre e cagalhão, Montenegro Superstar sempre à mão.

Pedro Nuno Santos: Um Verdadeiro Mártir da Mobilidade Nacional

Barba Azul, 27.04.25

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Pedro Nuno Santos, conhecido pelo seu espírito combativo, pela sua paixão ferroviária e, agora, também pelo seu talento de ilusionista imobiliário, incansável obreiro da causa pública, demonstrou ao longo de uma década um talento absolutamente invejável, o de estar e não estar em Lisboa, conforme dava mais jeito ao bolso.

Especialistas garantem ser o primeiro milagre documentado de "bilocação remunerada" fora do Vaticano.

Pergunta que se impõe fazer neste momento, se Pedro Nuno tivesse um filho, será que o miúdo ia para a escola pública registado como residente em Marte, só para sacar um subsídio de deslocação interplanetário?

Dizem as más línguas, que caso seja primeiro-ministro, irá propor um Subsídio de deslocação que inclua deslocações espirituais e residências simbólicas, para deputados.

Mas vamos lá falar mesmo a sério. Entre 2005 e 2015, o país assistiu, sem saber, à epopeia silenciosa de um verdadeiro mártir da mobilidade política, Pedro Nuno Santos, que com um heroísmo só comparável às grandes tragédias gregas, aceitou o insuportável sacrifício de viver na Praça das Flores.

Sim, senhoras e senhores invejosos, enquanto a plebe se espreme no autocarro para atravessar meio distrito, Pedro, num gesto de altruísmo tocante, recolhia-se todas as noites ao seu humilde retiro na Rua Marcos Portugal, ali, a dois passos da Assembleia, para que o sofrimento fosse ainda mais visceral.

Em troca desse esforço sobre-humano, este soldado da moral pública arrecadava uns míseros 1.800 euros por mês em subsídios de deslocação. Um valor ridículo, considerando a dor de viver num dos bairros mais charmosos, acolhedores e cobiçados de Lisboa. Só quem nunca tentou atravessar a Praça das Flores a chorar pelo sofrimento das classes médias é que pode julgar.

203 mil euros ao longo de 10 anos? Uma ninharia! Um preço perfeitamente justo para compensar o trauma de ter de decidir, todos os dias, entre beber um café com espuma artística ou tomar um brunch de autor, antes de ir trabalhar para o parlamento.

Que ninguém ouse, portanto, insinuar que Pedro Nuno Santos fez isto por dinheiro. Não. Fez por amor, amor à terra, amor às flores e, evidentemente, amor às regras interpretadas com uma criatividade que nem Fernando Pessoa bêbado teria conseguido inventar.

No fundo, Pedro não embolsou subsídios, Pedro Nuno acolheu subsídios no seu coração atormentado, como quem, heroicamente, aceita carregar o fardo de um país inteiro, desde que seja pago a pronto, claro.

Natural de São João da Madeira, Pedro Nuno nunca quis romper com as suas raízes. Com uma lágrima ao canto do olho, manteve a sua morada oficial na terra natal, mostrando ao país inteiro, que a ligação sentimental à província vale mais do que qualquer senso comum ou respeito pelos fundos públicos. Afinal, para que serve a burocracia se não for para ser contornada com elegância e um sorriso tecnocrático?

A controvérsia, claro, só poderia surgir da inveja mesquinha daqueles que não compreendem a beleza subtil do espírito luso, a capacidade de estar onde nos pagam para não estar, mas estando. Uma arte que Pedro Nuno Santos dominou, como tantos outros, da sua igualha, para calvário de todos os contribuintes.

E porque um homem não vive só de subsídios, houve também aventuras no ramo imobiliário, esse campo minado para os que têm menos talento para a gestão flexível de versões.

Em 2018, Pedro adquiriu uma modesta casa em Telheiras por uns trocos, coisa para uns miseros 740 mil euros. Interrogado sobre a origem de parte do montante, exibiu uma criatividade digna de um Nobel. Primeiro era uma generosa prenda paterna de 290 mil euros, depois afinal era um mimo da esposa. Mudanças de narrativa? Não! Apenas uma adaptação ao público, tal como convém a um verdadeiro líder popular.

Se há dúvida que persiste, é apenas esta, como é possível que Portugal ainda não tenha erguido uma estátua a estes heróis da mobilidade subvencionada, da propriedade imaginativa e da verdade alternativa?

Pedro Nuno Santos não é apenas um político, é uma ode viva ao país onde o chico-espertismo é mais patriótico do que a bandeira nacional.

Mas o melhor de tudo é ver o ar sério com que ele, hoje, fala de justiça social, habitação acessível e da necessidade de aproximar o Estado das pessoas. Quer dizer, se for preciso, até se aproxima mesmo, com mudança de morada e tudo.

Uma Venda muito mal explicada!

Frederico Rosa, Rui Braga, Emanuel Santos, António Gameiro e Carlos Casimiro Matos.

Barba Azul, 25.04.25

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A Transfiguração Mágica da Quinta Braamcamp, chamemos-lhe teatro, ou, para ser mais honesto, opereta municipal, encenada com talento medíocre, orçamento público e aplausos entre camaradas.

O palco, a Quinta Braamcamp, com cerca de 21 hectares de história, ruínas, aves e potencial urbanístico com vista para o Tejo.

Como cabeça de cartaz, o Vice-presidente Rui Braga, com o pelouro do Urbanismo no Barreiro, um homem com uma carreira construída entre arranjos de bastidores e colaborações intermunicipais que fazem corar de inveja qualquer assessor parlamentar.

Como restante elenco, os figurantes, Frederico Rosa, António Gameiro, Emanuel Santos, Carlos Casimiro Matos, tudo nomes distintos, mas com um só denominador comum, a confortável certeza de que, em Portugal, tudo se pode fazer desde que não se diga em voz alta. E se disserem, sempre se pode mandar calar com um parecer jurídico.

Em 2016, a CDU adquire a Braamcamp como quem ergue uma catedral ecológica. É o regresso à natureza, ao Barreiro operário, ao moinho de maré e ao chilrear das aves, ou, no mínimo, uma jogada para travar o betão durante uns anos. Mas, em 2020, o PS entra em cena, e a catedral torna-se galeria comercial imaginária, e ali está Rui Braga, em êxtase tecnocrática, pronto a “requalificar” a Quinta, que é como os autarcas modernos dizem “vender tudo o que mexe”, numa retórica economicista, com o slogan "vendam-se as ruínas, os ninhos e até os cágados se der jeito".

A venda faz-se, não sem charme, com concurso público com um caderno de encargos meticulosamente “adaptado” e uma vitória da empresa Saint Germain, cujo proprietário tem um currículo na construção civil e outro, menos visível, na arte de aparecer no sítio certo à hora do cheque.

É aqui que tudo se torna maravilhosamente kafkiano, Emanuel Santos, o diligente director de Urbanismo do Barreiro, nomeado sob a batuta do camarada Rui Braga, preside ao concurso de venda da quinta, num prodígioso acto de transformação de património ecológico em activo especulativo.

Emanuel Santos, empolgado pelo protagonismo a si concedido, não se contém nas suas funções e vai às redes sociais, este moderno templo da política, e aplaude publicamente António Gameiro pela sua candidatura em Ourém.

Não é tráfico de influências, é só boa educação e espírito de camaradagem, para agradar ao chefe e sua bateria de "compagnons de route".

Rui Braga, o mesmo,que já nos habituou à sua surpreendente capacidade de alinhar negócios entre câmaras municipais, como quem troca cromos entre meninos bem comportados, não teve tempo para conter o excesso de voluntarismo do seu novo pupilo, e este, deslumbrado pelo protagonismo e influência, que lhe atribuíram, deixou escorregar o jogo do chefe e sofreu as consequências.

Foi à vida!

Se há coisa que Rui Braga sabe fazer é transitar entre o discurso técnico e a prática política, entre o Barreiro e as suas discretas pontes com outras autarquias, veja-se a relação peculiar com Ourém e os seus escritórios de advogados de estimação, mas esqueceu-se da ambição desmedida do seu jovem arquitecto, que lhe estragou o cenário.

O nome António Gameiro? Claro que sim, sempre por perto, deputado do PS, consultor multifunções e, nos tempos livres, frequentador do mesmo ecossistema de favores.

O que vemos, portanto, é um retrato de família. Uma pequena comunidade de afinidades electivas, onde as decisões se tomam entre gente de bem, com os olhos postos no futuro, e os pés bem assentes na rede de contactos. Nada de ilegal, claro, apenas um certo perfume a conluio, um travo a favoritismo, um suspiro de promiscuidade entre o público e o privado.

Foi então que, como nos grandes romances de suspense jurídico, entrou em cena a providência cautelar. A Associação “Barreiro, Património, Memória e Futuro” interrompe este esplendoroso espectáculo, com uma chatice legal. Tudo parado, tudo em tribunal. A câmara, naturalmente, responde com elegância e contrata um escritório de advogados, mas atenção, não é um qualquer escritório de advogados, pois vai logo escolher precisamente o mesmo que já trabalhava para a Câmara de Ourém, onde António Gameiro, deputado do PS e personagem secundária em ascensão, ensaiava os seus voos autárquicos.

A escolha do escritório “Lorena de Séves & Associados” para defender a Câmara do Barreiro na guerra jurídica sobre a Braamcamp, pode parecer, mas não é casual. É uma daquelas coincidências, que só ocorrem em Portugal, onde as relações interpessoais valem mais que as cláusulas contratuais. O mesmo escritório, as mesmas caras, o mesmo circuito fechado, e Rui Braga, sempre com ar de quem apenas cumpre o que está tecnicamente previsto, ainda que seja tudo cuidadosamente preparado, fora do papel.

A REN, para quem desconhece a sigla, Reserva Ecológica Nacional, uma vez questionada para parecer sobre o domínio hídrico, o leito de cheia? Irrelevante. Para Rui Braga, um obstáculo ambiental é apenas um problema de comunicação. O importante é manter o discurso moderno, “revitalização urbana”, “sustentabilidade económica”, “valorização do território”.

É preciso ser muito distraído, ou muito cúmplice, para não perceber que o Barreiro, sob esta gestão, se tornou numa incubadora de negócios obscuros embrulhados em PowerPoints.
Afinal, a transparência é como a REN, existe no papel, mas nunca atrapalha quem sabe bem onde está a porta de saída… e de entrada.

Não nos enganemos, a venda da Quinta Braamcamp é um monumento à promiscuidade entre política, urbanismo e oportunidade privada. Rui Braga não foi um espectador, foi maestro, não se limitou a assistir, empurrou, promoveu, e aprovou.

No meio do fumo, dos pareceres e das redes sociais, até teve tempo para assistir aos elogios públicos entre o seu subordinado e um deputado. É que no Barreiro, como em Ourém ou em qualquer outro feudo socialista travestido de gestão moderna, a proximidade é uma virtude, desde que ninguém pergunte porquê.

No final, nada disto será ilegal, apenas imoral, cínico e profundamente revelador da promiscuidade da politica com a gestão do território.
A Quinta Braamcamp não foi vendida, foi sacrificada, e o sacrifício, como sempre, fez-se em nome do progresso, com contratos discutidos em gabinetes longe da vista, mas perto dos amigos.

Rui Braga, mais uma vez, cumpriu o seu papel, transformou o Barreiro num lugar onde tudo é possível, desde que se saiba com quem almoçar. A cidade, essa, que espere sentada pelo futuro sustentável, prometido nos bem ilustrados programas eleitorais, porque por agora, só há espaço para negócios sustentados em cumplicidades.

Este caso da Quinta Braamcamp é um manual de instruções para quem quiser transformar interesse público em oportunidade privada sem sujar as mãos. Compra-se com a bandeira verde da ecologia, vende-se com o glamour cinzento do betão. Os pássaros? Que voem. As ruínas? Que se abatam. A opinião pública? Que se distraia com outra polémica, de preferência com mais gritaria nas redes sociais.

O Circo das Análises

A Piscina de Mijo onde Ninguém Se Afoga

Barba Azul, 23.04.25

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Vivemos tempos gloriosos, a democracia, esse velho teatro de sombras, atingiu a sua fase mais sofisticada, a análise política transformada num campeonato escolar de ginástica artística. A pré-campanha eleitoral, outrora ocasião para se discutir o rumo de um país, é hoje um desfile cacofónico de vaidades empoleiradas em púlpitos de acrílico, iluminadas por holofotes e alimentadas a likes.

A pré-campanha eleitoral portuguesa entrou oficialmente na sua fase terminal, que dá pelo nome de indigência analítica. O debate político, enquanto exercício de confronto ideológico ou apresentação de propostas, já não existe, foi substituído por uma espécie de Festival Eurovisão da Carinha Laroca e da Frase Feita, onde o que conta não é o que se diz, é o tom, o timbre, o sorriso estudado e o número de vezes que se interrompeu o adversário.

A culpa, ora se atribui às televisões, ou, melhor dizendo, dos debates televisivos, esses combates de boxe com luvas de veludo, onde cada candidato tenta não parecer demasiado burro enquanto sorri para a câmara com a mesma convicção de um apresentador de televendas. Mas a verdadeira culpa, sejamos justos, não é dos debates em si, mas da fauna que se lhes segue, que dá pelo nome de comentário político.

E ainda os microfones dos debates não arrefeceram, abrem-se os portões do carnaval informativo. As santas romarias de comentadores  multiplicam-se como cogumelos num bosque húmido de mediocridade. São ex-ministros com tempo livre, jornalistas reformados que nunca escreveram nada de memorável, professores de ciência política em loop, e criaturas híbridas, com o pomposo rótulo de consultores de comunicação, cujo único talento conhecido é meter palavras como “pivot narrativo” e “ressonância emocional” em qualquer frase, mesmo que estejam a avaliar o tempo.

O comentário político, essa arte nobre de falar muito e dizer pouco, complementam os debates e desfilam em procissão, quais oráculos de ocasião.Todos eles empertigados nos seus fatos justos, olhos postos no efeito do retorno televisivo, debitando avaliações como se estivessem a julgar uma prova de dança contemporânea, com alegorias do tipo, "Foi sólido", diz um, "Faltou-lhe brilho", contrapõe outro, "Gesticulou demasiado", sentencia um terceiro, como se em vez de estarmos a eleger um primeiro-ministro fosse um novo pivot do Dança com as Estrelas?

Vistos de fora, porque cada vez mais estamos de fora desta miserável novela, estes especialistas parecem peixinhos ornamentais num aquário de estúdio. Agitam-se em círculos previsíveis, repetem lugares-comuns com a gravidade de sacerdotes, e olham uns para os outros à espera de aprovação mútua. É um circuito fechado, auto referencial, onanista até, onde a política real desaparece sob camadas de espuma opinativa. A política, tal como os ideais, já não serve para nada, porque o que interessa agora é a "narrativa", o "momento", o "framing", o "gesto", o "sorriso" no minuto e oportunidade certos.

Esses oráculos da insignificância atropelam-se uns aos outros em correntes de opinião circulares, como frangos dentro de um micro-ondas. Debatem com fervor se o candidato A fez bem em piscar o olho no fecho do segundo bloco, ou se o candidato B se engasgou ao dizer “economia circular”. É como ver e ouvir gente a discutir se o Titanic se afundou com elegância.

Pior não poderia ser, classificam os candidatos com escalas ridículas que fariam corar um júri de patinagem artística nos Jogos Olímpicos. Dou-lhe um 16 em 20 pelo desempenho, diz um, "Na minha escala emocional, foi um 8 positivo", diz outro, sem se rir, como se estivessem a avaliar cachorrinhos num concurso de beleza, ignorando por completo que estamos a falar do futuro do país, ou do que resta dele, depois de décadas de governação feita por brochuras de PowerPoint e promessas plastificadas.

Estes especialistas são os DJ’s da decadência democrática, remixam banalidades, repetem refrões e fazem-se passar por intelectuais. Vivem da efemeridade de cada debate como vermes alimentando-se de carne podre, regurgitando opiniões ocas para encher o espaço entre dois intervalos publicitários.

Falam entre si, para si, por si. Um círculo fechado de auto congratulação em que todos fingem importância e ninguém presta contas. O cidadão comum? Ignorado. O país real? Reduzido a notas de rodapé. O desespero social, o colapso habitacional, os salários de miséria? Não cabem no tempo de antena. São ruídos de fundo.

E nós? Nós estamos sentados à beira deste aquário televisivo, a ver os peixinhos dar voltas, volta após volta, na esperança de que, um dia, aprendam a nadar em direção a alguma coisa. Mas não. Continuam, infelizmente e teimosamente, a nadar para dentro de si próprios, felizes por serem vistos, mesmo que ninguém os ouça, e quando as eleições passarem, voltarão ao fundo da piscina de mijo, de onde vieram, à espera do próximo momento televisivo onde possam, mais uma vez, fingir que têm algo a dizer.

E o povo, o povo olha, se é que ainda olha para alguma coisa, e encolhe os ombros, entre mudar de canal ou assistir à décima avaliação da prestação do "candidato A" no segundo bloco do debate B, e em opção, perante tanta estupidez, escolhe o Netflix ou o TikTok. E não se lhes pode levar a mal, final de contas, a liturgia do comentário político, deixou de ser um serviço público, para se tornar numa missa para convertidos.

E assim vai a pré-campanha, um carnaval sem samba, uma tourada sem touro, um reality show sem prémio final. Mas não nos preocupemos, porque no final, alguém será eleito, e os peixinhos continuarão a nadar. Afinal, o aquário é deles, nós só pagamos a luz.