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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

O Futuro É Já… outra vez. E outra. E mais outra

Barba Azul, 13.05.25

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O Futuro É Já… outra vez. E outra. E mais outra.

Por um cronista ligeiramente enojado com déjà-vus com gel no cabelo:

Pedro Nuno Santos apareceu de novo, ou, para ser mais preciso, reapareceu, porque esta gente nunca desaparece, recolhe, espera, faz a barba e tira novas fotografias com fundo azul, e regressa como se nada fosse.
A bandeira é nova, a tática é velha, e o perfume político é o mesmo, Eau de toilette "Governei-mas-agora-é-que-é".

“O Futuro é Já!”, grita ele, com o entusiasmo de quem acabou de descobrir a palavra “futuro” numa bolacha da sorte da Marinha Grande.
Ora, se o futuro é já, não devia haver tempo para reuniões, comícios ou powerpoints.

Devia começar por devolver os comboios comprados à CP que ainda não chegaram, ou pelo menos confessar que já viu este futuro nalgum Conselho de Ministros anterior, provavelmente numa quinta-feira, com Medina ao lado e Costa a bocejar.

Pedro Nuno fala como quem acabou de descer do Monte Sinai, mas a tábua que carrega são as mesmas promessas da década passada, ligeiramente atualizadas com emojis e jargão TikTok.

Depois diz que é ele e o povo, o povo, sempre tão útil, sempre tão presente nas frases e tão ausente nas decisões.

“Sem intermediários”, exclama, enquanto o palco atrás dele se enche de gente que já intermediou tudo, do SIRESP às PPP, passando pelos pareceres da IGF que ficaram em cima da mesa, como croquetes frios.

Um pequeno detalhe, este homem foi ministro das Infraestruturas durante o governo de António Costa, aquele mesmo que governou o país como quem monta uma estante do IKEA sem instruções, mas que no fim faltavam sempre peças.

Sim, Pedro Nuno, o engenheiro dos comboios que não chegaram, dos aviões que não descolaram e do aeroporto que ainda está mais enterrado que o processo das gémeas brasileiras.

Sim, Pedro Nuno Santos é o ex que promete que “agora vai ser diferente”, que está mais maduro, mais focado, mais responsável, só que o álbum de fotografias revela o contrário.

Esteve presente nos bastidores de todos os falhanços recentes, do lítio em Montalegre ao escândalo da Habitação a custos (in)controlados com Marina Gonçalves, outra cria da máquina, promovida da Juventude Socialista ao ministério como quem passa do estágio para administrador da empresa pública.

A TAP, recordemos, foi nacionalizada sob a sua batuta, numa operação digna de um mágico amador, desapareceu dinheiro, reapareceu polémica, e a única coisa que voou foi a CEO para outro país, com os bolsos e a conta bancária bem aconchegada.

E quem são esses bravos rostos do novo futuro? Velhos conhecidos, uns com mais rugas, outros com mais botox, todos com o mesmo talento para o imobilismo dinâmico.

Essa é a geração que nos prometeu TGVs sem linha, aeroportos sem licença, e habitação acessível para quem herda casas da avó em Alfama.

É este o PS renovado de PNS, aquele partido que se reinventa como uma pastelaria, muda o nome do bolo, mas a massa é sempre folhada.

E agora? Agora é o futuro, mas sem intermediários, diz ele, enquanto se rodeia de nomes como Ana Catarina Mendes, que há décadas faz pontes entre o povo e os gabinetes de avenidas largas, pontes essas que costumam ruir em comissões parlamentares.

Ao lado, Fernando Medina, o “cofreiro” do défice, que tratou o Ministério das Finanças como quem trata um mealheiro, apertado, opaco, e sempre a cair das mãos.

Não falta também Alexandra Leitão, a teórica da função pública que, num comício recente, conseguiu fazer parecer que a reforma da administração pública, passa por não se fazer nada.

Mas não se fica por aqui.
Entre os rostos do novo PS, que supostamente vai romper com tudo, encontramos também os clássicos.

Carlos César, sempre pronto a lembrar que os Açores estão longe, mas os tachos do continente são mais quentes, ou Francisco Assis, o eterno centrista com alma de cronista, que aparece sempre que é preciso um ar respeitável para justificar uma decisão questionável.

E como não falar da mais reluzente pérola da nova velha geração, André Pinotes Batista, produto puro da JS, moldado a gesso e glitter, agora é elevado a oráculo de ocasião.

Um daqueles quadros intermédios do regime que, não tendo feito nada de particularmente memorável, conseguiu a proeza de estar sempre lá, como a humidade nas paredes de um prédio do PER.

Pinotes, o comentador dos comentários, surge nos ecrãs com a solenidade de quem descobriu a democracia anteontem, mas a quer explicar aos outros com a autoridade de um deputado por correspondência.

Um homem que comenta tudo, opina sobre nada e consegue sair de cada painel televisivo com a sensação de missão cumprida, mesmo que ninguém se lembre exatamente do que ele disse.

É o Cristiano Ronaldo das generalidades, sempre pronto para marcar um golo de trivela em temas como “a importância do diálogo” ou “os desafios da nova geração”, sem nunca se comprometer com coisa alguma, nem mesmo com o verbo no presente.

Brilha com aquele entusiasmo plastificado de quem aprendeu a discursar em congressos de juventudes partidárias à meia-noite, depois de 14 horas de moções, bifanas e gasosa.

Tem um penteado milimetricamente calculado e um vocabulário calibrado entre o politicamente responsável e o perigosamente irrelevante.

Se Pedro Nuno é o ex que promete que mudou, Pinotes é o primo novo que aparece nos almoços de família já com cartão de visita, a falar de “resiliência” e “reskilling” enquanto os adultos ainda estão no caldo verde.

Não espanta que o PS o empurre para a frente, é telegénico, previsível, domesticado e, sobretudo, reciclável, e no partido da mudança que nunca muda, isso vale ouro, ou pelo menos, tempo de antena.

Desde 1974 que o PS promete mudar tudo, e com notável sucesso, pois tem conseguido mudar tudo para que tudo fique na mesma.

São os mestres do eterno regresso, do “novo ciclo”, da “viragem”, do “recentrar”, como se o país fosse um volante de Renault Clio a precisar de alinhamento.

A verdade, caros leitores, é que Pedro Nuno Santos é o político ideal para os portugueses, promete o futuro com ar zangado, veste o passado com roupa nova, e ainda nos faz sentir culpados por duvidar dele, porque se não for ele, quem será?

Montenegro? Ventura? Um holograma de Guterres? Não, é e tem que ser ele, o ex com gel no cabelo, pronto para mais uma volta no carrossel da governação, com a promessa, que agora vai ser diferente.

E talvez seja, mas só na cor do fundo dos cartazes, porque no resto, bom, o resto já nós sabemos de cor e salteado, não havendo nada mais trágico, numa sociedade traída, do que um povo que ainda finge estar surpreendido.

Luís Montenegro e a Greve da CP

Barba Azul, 09.05.25

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"O TGV da Hipocrisia"

Durante anos, Luís Montenegro foi o passageiro mais ruidoso na carruagem da oposição, sempre com o bilhete da indignação na mão, exigia a todo o vapor que o governo de António Costa colocasse os comboios nos carris da eficiência.

Para ele, as greves eram um sintoma evidente de um Estado falhado, com trabalhadores insatisfeitos, prova cabal da incompetência socialista, com cancelamentos e atrasos, com o país a descarrilar sob a batuta de quem não sabia gerir nem um troley.

Agora, encontra-se do outro lado da barricada, onde as paralisações na CP passaram a ser apenas "pequenos percalços" no caminho da modernização.

Recordemos que, em tempos idos, Montenegro criticava veementemente a falta de investimento na ferrovia, atribuindo ao governo de António Costa a responsabilidade por composições superlotadas e serviços degradados.

Avançamos até 2025. Com Luís Montenegro, agora finalmente aos comandos da locomotiva, com o apito do poder nos lábios, e eis que os maquinistas, revisores e demais operacionais da CP, decidem avançar para uma greve.

No entanto, quando os sindicatos lamentam a falta de esforço do governo e da CP, para alcançar acordos conjuntos, Montenegro parece adotar uma postura de indiferença, como se as reivindicações dos trabalhadores fossem meros ruídos de fundo.

Só que agora, segundo Montenegro, estas greves são “inqualificáveis”, “injustas” e “despropositadas”.

Mudam-se os tempos e os lugares no poder, e aquilo que antes era sinal de alerta vermelho, agora é só um amarelo pálido e desbotado, de quem acha que os sindicatos deviam estar a agradecer, por ainda haver carris para andar.

Assistimos pois, a um espetáculo onde a coerência é deixada na estação e o comboio da política segue viagem, indiferente às promessas feitas e às críticas outrora proferidas.

Mas, vamos por partes, como um revisor diligente:

Antes, Montenegro, em modo opositor, dizia que os trabalhadores só faziam greve porque o governo de Costa não os ouvia, e que um executivo, sobre a sua batuta, sério, sentar-se-ia à mesa das negociações, dialogava e construiria pontes.

Agora, o mesmo Montenegro diz que a greve dos trabalhadores da CP, não tem razão de ser, porque este, o seu governo, tem feito um esforço tremendo, no entanto, esse esforço, pelos vistos, foi todo feito em surdina, num idioma apenas audível no gabinete do ministro da tutela.

Antes, cada paralisação era uma tragédia nacional, uma afronta à economia, uma falta de liderança do governo, enquanto o outro Montenegro, não o atual 1° ministro, pintava um país à beira do colapso sindical.

Agora, as greves são fenómenos residuais, coisas de um sindicalismo anacrónico, fora de moda, quase folclórico, porque quem paralisa agora o país, não é vítima de más condições laborais, mas um perigoso e incómodo sabotador da pátria.

Antes, Montenegro defendia que a ferrovia era estratégica, que a falta de investimento e de diálogo com os sindicatos prejudicava “os portugueses de bem”.

Agora, Montenegro, como bom governante do século XIX, metido no século XXI, acha que o povo de bem é o que não protesta, portanto, se os trabalhadores da CP se queixam, que vão queixar-se para a próxima estação, e de preferência, bem longe de São Bento.

Este volte-face não é original, diga-se, pois em Portugal, a coerência política entra mais depressa num comboio para Tancos, ou para uma mina encerrada, do que numa declaração séria e pública.

Mas Montenegro atingiu um patamar quase poético de incoerência, transformou-se no próprio inimigo que descrevia com tanto zelo, como se tivesse passado a vida a gritar “atenção ao buraco na linha!” e, ao chegar ao poder, mudasse o discurso empolado para, afinal não existe qualquer buraco, o que estão a ver, é mais um charme rústico do nosso sistema ferroviário.

Talvez Montenegro, e restantes políticos da nossa praça, ainda não tenham percebido que o microfone do governo tem retorno. Que as frases que se dizem hoje, na oposição, ecoam amanhã, no poder, muitas vezes, com a voz embaraçada de quem é apanhado a dizer o contrário de ontem.

Mas talvez também saiba, e talvez não se importe, porque, no fundo, mais importante do que gerir o país é não largar o manche da locomotiva, mesmo que os passageiros estejam a pular das janelas.

No fundo, Montenegro, é só mais um maquinista da política portuguesa, buzina muito, promete velocidade de cruzeiro, mas quando começa a viagem, o único destino certo, e que conhece perfeitamente, é a Estação da Amnésia.

Montenegro, o herói dos reformados... por acidente

Barba Azul, 08.05.25

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Luís Montenegro, esse altruísta compulsivo, anda em campanha a anunciar que "fez muito pelos reformados", e tem razão. Fez imenso, tal como aquele miúdo que empurra um botão vermelho, numa central nuclear e depois aparece nas notícias como “jovem ativa reator e salva cidade do apagão”.

Montenegro, qual escravo do poder, conseguiu, com o mesmo talento involuntário, melhorar a vida dos reformados, apesar de todos os seus esforços para não o fazer.

É comovente ver o nosso Primeiro-Ministro, homem de princípios sólidos como gelatina ao sol, a gabar-se das reformas aprovadas no Parlamento como se tivesse suado as estopinhas, e feito das tripas coração, por elas.

Ele que, durante os debates, torceu o nariz a cada proposta da oposição com o entusiasmo de um adolescente diante de espinafres cozidos, mas mal percebeu que os partidos da oposição se uniram e aprovaram as medidas à revelia do seu governo, correu logo a pôr a medalha ao peito, aplaudindo essas medidas da oposição, o seja, o equivalente político de um miúdo que rouba o bolo da festa, e depois se gaba de ter sido ele a fazer a cobertura e a colocar as velas.

Claro que ele agora percorre o país, com aquele ar grave, ao estilo, "pai dos pobres com carteira de offshore", a dizer que o seu governo “não virou as costas aos pensionistas”.

E não virou, de facto, virou-lhes foi a cara, de preferência para o lado em que estava a câmara da televisão, mas sempre com um sorriso despachado e irritante que diz, “olhem para mim a fingir que isto foi ideia minha.”

Os aumentos das pensões, foram propostos e aprovados pelo PS, pelo Bloco, pelo PCP, e até por aquele deputado da Iniciativa Liberal que só queria lá estar para baixar impostos sobre charutos de importação.

Perante os factos, Montenegro viu-se obrigado a promulgar essas medidas com o mesmo entusiasmo com que alguém aceita uma cunha da sogra, contrariado, mas a sorrir para não estragar o Natal.

E não são só os reformados, pois fala-se em habitação, apoios sociais e saúde, e em cada uma destas áreas, Montenegro proclama feitos como quem reclama direitos de autor por ter lido um livro editado em 1900.

Esquece-se é de dizer que as suas ideias originais consistiam em “apertar o cinto”, “trazer rigor orçamental” e “dar tempo ao mercado”, expressões que, em política, significam sempre: “esperem sentados, de preferência em cima de um prego.”

Mas eis que a oposição, essa malvada, legislou, e legislou com eficácia, tramando a arrogância arregaçada de Montenegro, e Montenegro, com a coragem de um coelho a dar entrevista, veio depois anunciar que o mérito era única e exclusivamente dele.

No fundo, é o político que tropeça nos resultados dos outros, cai em cima deles, espalha-se aí comprido, e depois levanta-se com ar de campeão olímpico.

Podemos, portanto, concluir que Luís Montenegro é o verdadeiro Robin Hood às avessas. Rouba as ideias à oposição para oferecer à sua imagem pública, e como qualquer herói moderno, tem um superpoder raro, o dom de transformar derrotas parlamentares em brochuras de campanha.

Por isso, sim, caros reformados, agradeçam a Montenegro, não porque vos ajudou, mas porque teve o bom senso de não vetar tudo, e, num país habituado a governos, que até tiram tapetes vermelhos aos idosos, já é um feito.

E o melhor disto tudo, é que ele acredita mesmo que foi ele que fez tudo, enquanto os outros atrapalhavam. Isto, sim, é liderança, acreditar na própria ficção, com uma convicção tão sólida que até os outros começam a duvidar da realidade.

Senão, vejamos. Luís Montenegro, o homem que se auto-elogia com a destreza de quem se condecora ao espelho, resolveu brilhar no capítulo das carreiras profissionais da função pública.
Diz que o seu governo “descongelou anos de injustiça”, que “valorizou os profissionais” e que “cumpriu o que outros prometeram”.

E não mente, só que omite descaradamente, com aquele brilho sarcástico nos seus olhos azuis, o que, em política, se pode definir como um desporto olímpico sem regras.

O que Montenegro nunca menciona, por esquecimento seletivo ou vergonha súbita, nunca saberemos, é que as medidas de recuperação dos anos de congelamento nas carreiras foram aprovadas a pontapé pela oposição.

A "Oposição em conluio", palavras de Montenegro, Bloco, PS, PCP, até o PAN, esse partido que normalmente só se mete em coisas que não andam de mochila às costas para o Parlamento, empurraram as medidas para a frente.

Montenegro tentou barrar, contorcendo-se em argumentos até à medula, como quem tenta convencer um bombeiro a não apagar um incêndio porque “a cinza também tem o seu charme”.

Mas como perdeu em votação, ficou sem alternativa a não ser aplicar-se na matéria, e aplicou as medidas aprovadas, contra sua vontade, apresentando-se agora como o "Camões da contabilidade pública", declamando que “ninguém valorizou mais os professores, os médicos e os técnicos do que ele”.

Um verdadeiro poeta da hipocrisia, porque, sejamos honestos, Montenegro só valorizou essas carreiras quando percebeu que não tinha votos suficientes para as desvalorizar.

Ainda há semanas, o Primeiro-Ministro falava com ar compungido sobre “os limites da responsabilidade orçamental”, como se pagar às pessoas aquilo que lhes é devido fosse um atentado à Constituição.

Agora, em campanha, diz com aquele ar pungente de padeiro do Estado Social, que sempre foi seu plano e intenção, “resgatar a dignidade” dos profissionais da função pública.

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, e só nos falta ouvir da sua boca desafinada, que foi ele que descobriu o conceito de progressão nas carreiras.

Hipocrisia, não, isto é mais do que hipocrisia, é uma espécie de auto-psicose política, em que o governante não apenas se contradiz, acredita mesmo que tudo o que foi forçado a fazer por pressão parlamentar foi ideia dele desde o início.

A isto chama-se liderança por retrovisores, olha-se para trás, vê-se o que os outros fizeram, e depois acelera-se a narrativa na direção do culto de personalidade.

Luís Montenegro está, na prática, a fazer campanha eleitoral com o trabalho legislativo da oposição, e que, se fosse um filme, chamava-se “O Ladrão de Carreiras, um drama em vários escalões.”

E enquanto os professores continuam sem saber se contam com o tempo todo, os técnicos de diagnóstico veem reconhecido só metade, e os enfermeiros têm que escolher entre ser pagos ou poder pagar contas,.

Montenegro, esse arquitecto do vazio, continua a sorrir, a cortar fitas em nome de medidas que tentou travar, e a falar em nome de uma justiça que só aceitou porque a democracia lhe a enfiou goela abaixo.

Se isto não é política ao estilo reality show, então não sei o que é.
Luís Montenegro é o concorrente que foi expulso pela verdade, mas que continua a dar entrevistas na gala final, como se tivesse sido o vencedor.

Fernando Medina O Eterno Ex-Tudo

Barba Azul, 07.05.25

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Medina, o Suplente de Serviço da Nação

Fernando Medina, o nome que ecoa nos corredores do poder como um sussurro fantasmagórico, está sempre nas listas, um eco do passado glorioso, ou nem tanto, de um homem que parece ter nascido para ser... ex.

Ex-ministro, ex-presidente da Câmara de Lisboa, ex-esperança da esquerda moderada, ex-algo que já ninguém se lembra. Um currículo invejável, sem dúvida, se o objetivo fosse colecionar títulos em desuso.

E agora, qual é o seu papel no teatro da política portuguesa? Ah, o de suplente! O eterno suplente, sempre pronto a entrar em campo quando a equipa principal está em apuros, ou quando simplesmente precisa de alguém para defender o indefensável.

Medina, o homem que se adapta a qualquer papel, desde que seja para defender o status quo. Um camaleão político, capaz de mudar de cor consoante a luz que incide sobre ele.

Mas não se enganem, caros portugueses. Medina não é apenas um suplente qualquer. Ele é o suplente de serviço da nação, o bombeiro que apaga os incêndios da incompetência alheia, o escudo humano que protege os poderosos das críticas da plebe. Um mártir, diriam alguns, um oportunista, diriam outros, eu, por mera cortesia, abstenho-me de opinar.

E que ideias defende o nosso herói? Essa é a pergunta de um milhão de euros! Medina, o homem sem ideias próprias, o eterno seguidor, o eco das vozes dominantes. Hoje defende o que ontem criticava, amanhã elogiará o que hoje vilipendia. A coerência, para ele, é um conceito abstrato, uma miragem no deserto da política portuguesa.

Mas não se preocupem, caros portugueses, Medina está aqui para vos guiar, para vos proteger, para vos salvar de vós mesmos. Ele é o farol na escuridão, a bússola que vos indica o caminho certo, o pastor que vos conduzirá ao paraíso, ou ao inferno, dependendo do vosso ponto de vista.

E assim, entre um bocejo e outro, Medina continua a sua saga, o eterno ex-tudo, o suplente de serviço da nação, o homem que personifica a mediocridade da política portuguesa.

Um herói? Um vilão? Um mero figurante? A história, essa juíza implacável, encarregar-se-á de o julgar, ou talvez não.

Talvez o esqueça, como esquece tantos outros, e talvez, no final, seja essa a sua maior tragédia, o esquecimento.

Pinotes na Feira da Bagageira

O Buraco Negro da Política Local

Barba Azul, 06.05.25

 

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Pinotes Batista em Alcácer do Sal, na Feira da Bagageira, ou como alguém, se sente um verdadeiro estadista com um microfone emprestado pela junta.

Na pitoresca Alcácer do Sal, onde as cegonhas sobrevoam os telhados e os discursos políticos ecoam com a mesma leveza, André Pinotes Batista, o novo timoneiro da Federação Distrital de Setúbal do PS, brindou-nos com uma oratória que, se não fosse tão previsível, seria quase inspiradora.

Senhoras e senhores, começa ele, "povo de (Alcácer do Sal)", ou será Cascalheira de Baixo? Talvez Traseiras do Telhado? Não importa para o caso, porque o texto foi claramente concebido com o botão “Localidade (inserir aqui)” pronto a ser substituído pelo nome do aglomerado populacional em causa. A fórmula, há muito conhecida pela classe política, é infalível.

O importante é que André Pinotes Batista apareceu, representou e ninguém ficou indiferente, ou melhor, todos ficaram exatamente como estavam antes, mas com um ligeiro zumbido nos ouvidos causado pelo eco do seu próprio ego.

Todos, à excepção do proprietário da viatura que, enquanto decorria o bota palavra, enterrava o eixo do carro no buraco negro infraestrutural que ameaça fazer derrocar o poder autárquico da Companhia Pinotes, no Barreiro.

Pinotes, esse monumento vivo ao design político, é a mais recente exportação dos Casquilhos para o universo das frases feitas. Saiu da sua zona de conforto, que é, curiosamente, todo o território nacional onde exista um palanque, uma câmara ligada, ou um cartaz com o logo do PS, para entregar à população de Alcácer um discurso com mais variedade de produtos, do que um panfleto do Lidl.

Falou dos desafios. Claro que falou, não há político de PowerPoint, que se preze, que não fale dos desafios, mas fê-lo com a intensidade de quem comenta um fora-de-jogo na CMTV às três da manhã, com gráficos de posse de bola e a certeza absoluta de que, se ele mandasse, o país já era campeão europeu da “coesão territorial sustentável, com pegada digital e empatia intermunicipal”.

Enumerou dificuldades como quem recita a tabela periódica sem saber que “berílio” não é um mineral, mas o nome da cabeleireira da prima de um militante de Setúbal.

As palavras voaram, “transformação”, “proximidade”, “digitalização”, “juventude”, “resiliência”, “nova energia”, “compromisso”. Parece um plano estratégico, mas é só ruído poético com cheiro de tinta fresca em cartaz de campanha.

E lá estava ele, no seu palco moral portátil, com ar de quem vende Tupperwares emocionais e seguros de saúde para a alma socialista, embalado naquele tom monocórdico de político jovem, que já decorou todos os truques da velha guarda. O truque é parecer visionário, mas só até ao final do mandato, depois logo se vê.

O mais fascinante, a convicção como André Pinotes argumenta e fala, como quem acredita mesmo que está a liderar uma cruzada, que vai resolver a desertificação do interior com “Estados Gerais Digitais” e que basta sorrir para atrair investimento direto estrangeiro. Como se o destino de Alcácer do Sal se decidisse numa reunião de departamento de marketing, ali no café Central do Lavradio.

Tudo isto seria divertido se não fosse trágico, porque enquanto ele despeja clichés, com a confiança de um youtuber motivacional, quem o ouve tem contas por pagar, filhos sem médico de família e transportes que chegam com menos frequência que o bom senso ao discurso dele. Mas o que importa é que o cenário é bonito e o design resulta. O “branding” está feito.

Pinotes Batista não é um político, é um vendedor de sonhos em leasing, com stand montado na Feira da Bagageira do Barreiro. E Alcácer do Sal foi só mais uma paragem na tournée nacional do “Eu, Eu e o Partido”. Amanhã será em Vendas Novas, depois, talvez em Porto Covo, na Moita ou Sarilhos-Pequenos, bastando para que resulte, trocar o nome no discurso.

Porque os problemas são locais, mas o paleio é sempre global.

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O Futuro é já daqui a um bocado.

QUE SE DÊ INÍCIO AO ESPECTÁCULO

Barba Azul, 05.05.25

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Uma Travessia Eleitoral, no Terminal do Ridículo

Os candidatos do PS pelo Círculo de Setúbal, partilharam ideias e ouviram quem utiliza todos os dias este serviço essencial no Terminal Fluvial do Barreiro.

Foi bonito de se ver, a encenação estava montada e era perfeita, os figurantes alinhados, cabelo solto e barba por fazer, vestidos, como qualquer dos mortais que todos os dias vão para o suplício da travessia do Tejo.

Os militantes devidamente mobilizados pelos caciques cá do burgo, voluntariamente, claro, e até o sol apareceu para iluminar esta peregrinação fluvial de última hora.
Só faltou mesmo o cartaz a dizer “Campanha a Bordo, bilhetes gratuitos para a demagogia”, mas não era preciso, porque os cidadãos quase todos tinham passe.

Os candidatos aproximaram-se com aquele sorriso plastificado que só se aprende em workshops de marketing político, estenderam as mãos suadas pelo peso dos panfletos, ao cidadão e dispararam: “Estamos aqui para ouvir as suas preocupações!”, como se ouvir fosse o novo milagre da multiplicação dos votos.

O cidadão, com os olhos gastos de quem já viu promessas nascer e morrer no intervalo entre dois ciclos eleitorais, respondeu com um "pois, pois" que contém mais história que o currículo do candidato.

Mas o políticos não desistem, tiram uma selfie, prometem soluções “estruturais”, e desaparecem em passo acelerado, como quem foge de uma dívida emocional.

Ao longo destes contactos, foram ouvindo, um a um, as queixas dos que utilizam este terminal fluvial.

Um primeiro cidadão atira “Isto está uma miséria", outro “Os barcos falham todos os dias ou andam atrasados” ainda um terceiro “Porque é que só aparecem agora?”, ao que os candidatos responderam com o habitual aceno de cabeça, um “tem toda a razão” e um olhar fixo, que para bom entendedor basta, “Se eu aguentar mais 5 minutos aqui, talvez consiga mais 10 votos e um lugarzinho em 18.º na lista.”

Afinal, a campanha não é sobre resolver problemas, é sobre fingir que se importa tempo suficiente para garantir um lugar na Assembleia, de preferência, com vista para o silêncio dos quatro anos seguintes.

Os transportes públicos são uma prioridade, claro que são, aliás, são tão prioridade que só se fala neles quando há eleições. Nos outros meses, ficam entregues ao caos, aos atrasos, às greves, às promessas recicladas e aos passageiros abandonados, esses heróis do quotidiano que vivem a versão portuguesa do Survivor na Transtejo.

Mobilidade centrada nas pessoas, aquelas mesmas pessoas que não têm alternativa a não ser esperar meia hora por um barco que nunca vem, ou se atrasou, enquanto os decisores no poder e arredores viajam confortavelmente nos seus carros com motorista, pagos como sempre, pelo contribuinte, aquele ser mitológico que também apanha o barco, mas só é prioridade, em tempo eleitoral.

E há ali um detalhe deveras encantador e ao mesmo tempo confrangedor, os candidatos estiveram acompanhados por autarcas e militantes locais, ou seja, neste caso presenciado no local, a excursão da família socialista do costume, e onde ninguém se ouve, porque todos querem ser cabeça-de-lista nas próximas eleições autárquicas.

Depois disto, falta só a parte habitual, as selfies com o Tejo atrás, o vídeo com música inspiradora, e a hashtag final #FuturoÉJá, quando na verdade o futuro é sempre adiado para depois das eleições, que é quando os barcos voltam a falhar, os candidatos desaparecem, e as pessoas, essas sim, continuam à espera, não do barco, mas de vergonha na cara dos que dizem representá-las.

O Grande Circo Regressa à Aldeia

Campanha Eleitoral 2025

Barba Azul, 05.05.25

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O Grande Circo Regressa à Aldeia

Senhoras e senhores, meninos e meninas, desgraçados, desesperados e outros que tal, abram alas, porque começou oficialmente o Festival Nacional do Embuste, também conhecido, em linguagem burocrática, como “campanha eleitoral para as Legislativas de 2025”.

Durante estas gloriosas semanas, o país submete-se a um estado de excepção emocional, em que o ridículo se torna virtude, a mentira adquire estatuto de programa, e os políticos descobrem, com comoção e espanto, que afinal, ainda há cidadãos!

Sim, é verdade, as massas, até aqui reduzidas a estatística, reaparecem do nevoeiro social onde sobrevivem a recibos verdes e precariedade de emprego, filas no centro de saúde, urgências encerradas e rendas simplesmente pornográficas, para ter um telhado, se não quiser ser rotulado de sem-abrigo.

Subitamente, os reformados contam, os jovens interessam, as mães solteiras inspiram, e os desempregados até arrancam lágrimas de crocodilo neste triste espectáculo da vida.

O político, esse artista de feira, esse D. Quixote da hipocrisia, sai da sua cripta de mármore parlamentar, engole um pastel de nata à frente de uma câmara, diz "povo" três vezes, e acredita, com tremores messiânicos, que tocou os seus corações.

É a época em que os gabinetes se esvaziam e os mercados e feiras, se enchem de sorrisos postiços.

"Estamos com as pessoas!", clamam os que há meses aprovavam despejos sumários ou subsídios à banca com mais zelo do que à cultura e à saúde.

É o tempo em que a palavra "solidariedade" volta a ser pronunciada com a solenidade de um padre embriagado em missa de sétimo dia, a miséria torna-se cenário, e a esperança, produto de marketing político.

Mas, meus caros, não sejamos injustos, os políticos não esqueceram o povo durante quatro anos, apenas praticaram o sublime exercício da indiferença estratégica.

Quando as populações exigem justiça, respondem com silêncio administrativo, quando os protestos crescem, respondem com cacetetes, não os de teatro, mas os de borracha das polícias, empunhados por um Estado que só se lembra de ter monopólio da força, quando é para proteger os interesses dos que estão no poder e dos seus amiguinhos.

E agora? Agora é tempo de beijar bebés e velhinhos, com álcool-gel a postos, prometendo centros de saúde que nunca abrirão, escolas que continuarão com amianto, sem professores e pensões que nunca verão a inflação.

Há um brilho nos olhos dos políticos, não é emoção, é reflexo das luzes da câmara, há comoção na sua voz, mas não é empatia, é ensaio, para mais uma trágica comédia para os próximos quatro anos.

A campanha é o teatro onde os cúmplices da desigualdade se fantasiam de salvadores, onde quem votou contra aumentos do salário mínimo, promete agora justiça social, onde os que financiaram o caos habitacional, juram defender os inquilinos, onde os mesmos que mandaram carregar sobre enfermeiros e professores, juram “respeito pelas carreiras”.

O espetáculo é tão grotesco que, se não fosse trágico, seria apenas hilariante.

Mas atenção, o cidadão também tem o seu papel neste cenário, é figurante e vítima, estatística e aplauso, gado eleitoral em trânsito, domesticado a sondagens e slogans.

No fim, será chamado a exercer “o seu direito”, esse ritual de escolha entre variantes da mesma indiferença.

E depois? Depois regressará ao silêncio dos esquecidos, até que outra campanha o redescubra e o circo regresse à aldeia.

Bem-vindos, pois, à grande farsa democrática onde o voto é livre, mas o destino há muito se encontra aprisionado, subjugado ao aparelhismo partidário e seus caciques, onde a palavra “mudança” significa apenas que trocámos um cínico por outro com melhor agência de comunicação.

Com a campanha eleitoral em curso, as reportagens ocupam os horários nobres televisivos, destronando, e por vezes interrompendo, outros programas de interesse aos cidadãos.
É o momento do ano em que o drama da política suga o espaço das ficções baratas, substituindo actores por deputados, guiões por soundbites, e lágrimas por promessas.

As televisões, cúmplices devotas, largam momentaneamente os casos de faca e alguidar, para exibir em prime-time os comícios com drones, os sorrisos de plástico e os debates onde se grita mais do que se pensa, usando as estratégias de grandes ou pequenos planos, para mostrar o que fôr mais interessante para os protagonistas.

A audiência reage com a mesma emoção com que assiste ao final de temporada de uma série medíocre. Já viu este episódio, conhece o desfecho, mas continua a assistir porque não há mais nada para ver, ou porque ainda acredita que, desta vez, talvez o vilão morra.

No fim, desvanecem-se as expectativas, afinal o vilão não morre, é reeleito, com maioria relativa.
A política portuguesa não é uma telenovela, é uma reposição contínua, um remake da desilusão com cenários ligeiramente renovados, onde após semanas de escárnio e maldizer, os actores se reagrupam em parcerias de conveniência, criando uma grande companhia, com toda a diversidade de arte circense parlamentar, e voltam a passar por mais uma temporada de quatro anos de actividade, e amnésia permanente.

As luzes acendem-se, faz-se silêncio na sala, o palco já está montado e os palhaços podem começar a actuar.

Nuno Melo, o Farol da Coerência Nacional

Barba Azul, 21.04.25

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Nuno Melo, esse farol da coerência nacional, esse titã do conservadorismo reciclado, que consegue a proeza de parecer simultaneamente um político do século XIX e um influencer do Facebook de 2012. É quase comovente ver o esforço com que tenta ressuscitar o CDS, como quem tenta insuflar vida num frango de churrasco que já passou três domingos no tabuleiro.

Nuno Melo, com o seu tom inflamado e pose de estadista em miniatura, é um verdadeiro monumento à retórica indignada sem consequências. Fala como se liderasse um exército ideológico em marcha triunfal, quando na realidade comanda uma brigada de fantasmas, o CDS, esse partido que já foi relevante, mas que hoje caberia confortavelmente num táxi, com motorista e tudo.

Nuno Melo, o eterno aspirante a relevante, iniciou a sua carreira política com um perfil de bom aluno da direita tradicional, advogado de formação, verbo afiado, bom de soundbite e com um ar constantemente entre o indignado e o paternalista. Subiu nas fileiras do CDS com uma facilidade proporcional à escassez de concorrência, afinal, num partido onde a juventude é tratada como uma ameaça e o futuro como uma inconveniência, bastava parecer sério e usar gravata ao domingo.

Foi deputado na Assembleia da República, onde se destacou por ser um dos mais vocais defensores do estilo português de bem, sempre pronto a criticar o estado da justiça, a moral da sociedade e a deriva dos costumes, tudo isto enquanto contribuía para uma produção legislativa quase decorativa. Era mais conhecido por intervir do que por concretizar, colocando a forma sempre à frente do conteúdo.

Mas o verdadeiro brilho de Nuno Melo surgiu, quando foi para o Parlamento Europeu. Aí, Nuno tornou-se uma espécie de turista político com cartão de embarque permanente, entre Bruxelas e Estrasburgo. Dedicou-se à nobre arte da denúncia sem consequências, da afirmação sem responsabilidade, e do voto sem impacto. Teve destaque mediático, não pelas ideias, mas pelas indignações bem cronometradas para os telejornais das 20 horas.

Foi um dos mais entusiastas apoiantes da chamada justiça popular mediática, durante o processo Casa Pia, vestindo a capa de defensor da moral pública, com uma ligeireza que dir-se-ia imprópria para um jurista.Transformou a política num palco, e a ele próprio num personagem mediático, só que, como tantas personagens da política portuguesa, não passou nas audições e ficou-se pelo primeiro acto.

Durante anos, foi o rosto jovem do CDS, uma juventude que já dava sinais de cansaço no início da década de 2010. Enquanto o partido encolhia como um balão furado, Melo mantinha-se firme na arte da sobrevivência partidária, sabendo sempre quando dar um passo atrás, quando alinhar com o PSD e, acima de tudo, dissimuladamente, desaparecer para reaparecer com novo verniz.

O auge da ironia foi atingido quando assumiu a presidência do CDS, já o partido tinha sido reduzido a entulho eleitoral. Melo herdou um navio naufragado e decidiu, com o heroísmo de um marinheiro de água doce, pintar-lhe as velas. Desde então, dedicou-se a proclamar o renascimento de um partido que ninguém quer nem deseja ressuscitar. Em vez de refundar o CDS, reformulou-o como sucursal decorativa do PSD, pronto a apoiar, servir e obedecer em troca de meia dúzia de lugares e migalhas de protagonismo. Ou seja, uma oportuna muleta política, sim, mas das que só servem para tropeçar.

No plano ideológico, Nuno Melo é um entusiasta de tudo o que parece sólido, moralista e conservador, desde que não interfira com as alianças práticas necessárias à sua sobrevivência política. É contra o populismo, mas rouba-lhe os truques retóricos. É a favor da democracia, mas desesperado por atenção mediática a qualquer custo. É defensor de princípios, mas sempre os suficientemente vagos para não o comprometer com nada.

Nuno Melo, nomeado ministro da Defesa, é, em si, algo de trágico e cómico, como se alguém tivesse nomeado o maestro de um conjunto filarmónico para comandar um submarino nuclear. Mas lá está ele, engravatado, de queixo erguido, a discursar sobre geoestratégia com a convicção de quem acabou de descobrir o mapa mundo.

Desde que tomou posse, Melo mostrou-se um verdadeiro ministro performativo, com muitos gestos, muitas palavras, muitas visitas a quartéis, mas quanto a decisões, zero. Não lidera a Defesa Nacional, o seu ministério é um desfile de solenidades, onde cada farda é um adereço e cada cerimónia, um episódio da sua telenovela pessoal, O Último Conservador.

Na prática, o que fez?
Prometeu reforçar as Forças Armadas, mas não explicou como. Talvez com discursos motivacionais e fotografias no X/Twitter.

Falou em prestígio internacional, mas, curiosamente, Portugal continua tão irrelevante na NATO quanto antes, excepto quando é preciso cumprir cotas ou aplaudir os grandes.

Anunciou reformas estruturais, mas até agora só reformou a linguagem, chama revalorização logística à falta de munições e racionalização de meios à ausência de navios operacionais.

Melo trata a Defesa como se fosse um palco para a sua fantasia de estadista militar, acena com conceitos como soberania, autonomia estratégica e esforço nacional, com a segurança de quem os leu na contracapa de um relatório da UE, e os repete como se os tivesse inventado.

Nos bastidores, a tropa suspira. Os oficiais superiores, discretamente, percebem que o ministro está mais preocupado com a imagem do que com a eficácia. E os soldados? Esses continuam mal pagos, mal equipados e mal representados, mas agora com a honra de serem ignorados por alguém que se diz o seu maior defensor.

O mais irónico disto tudo, é que Nuno Melo adora a pompa das cerimónias militares, mas é completamente alérgico à logística, à modernização, e à diplomacia multilateral que exige trabalho real. No fundo, confunde Defesa com desfiles.

Nuno Melo no Ministério da Defesa é como uma espada de cerimónia, brilha ao longe, impressiona os incautos, mas não serve para lutar.

É o ministro ideal para quem quer parecer patriota sem sujar as mãos. Um general sem exército, um comandante sem estratégia, um conservador sem causa, apenas com pose.

A carreira de Nuno Melo é o retrato perfeito da política do ornamento, sempre presente, raramente útil, com muito som mas pouco sentido. Um político que fala alto para que não se repare que não tem seguidores, que finge liderança para disfarçar a ausência de direção, e que insiste em representar um partido que só ainda existe porque ninguém o declarou oficialmente morto.

Se há coerência na sua trajectória, é a capacidade de sobreviver politicamente, num país que já deixou de contar com ele para o que quer que seja.

Cultura no Barreiro (2018-2025) Versão 2.0

Entrevista Fictícia - Segunda Parte

Barba Azul, 19.04.25

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O prometido é devido, por isso, deixo na íntegra, uma suposta e promissora.... entrevista, exclusiva, com dois alegados autarcas anónimos, que poderiam ser, por exemplo, do Barreiro.

Conduzida por um cidadão com equiparação a jornalista, cujas perguntas afiadas, obtiveram dos entrevistados, respostas à altura do vazio cultural que construíram, com mão firme e espírito PowerPoint.

Entrevista Fictícia Exclusiva, “Sete Anos de Cultura, Entre a Visão e a Tenda de Arraial."

Entrevistador: Manuel Francisco Alinhado ( Equiparado a jornalista )
Revista "Eventos & Eufemismos"
Data: Abril de 2025
Local: Sala Polivalente do Edifício-Sombra da Cultura numa tarde culturalmente solarenga a ameaçar chuva. Para efeitos de preservar o anonimato dos entrevistados, os mesmos, serão apenas designados por pares de iniciais aleatórios.

MFA: Boa tarde, Sra. SF e Sr. RB. Antes de mais, parabéns por este extraordinário ciclo de governação cultural tão consistente. O que vos inspira a manter este registo?

SF: Obrigada, Manuel. A nossa política cultural baseia-se num princípio simples. Se não houver expectativas, não há desilusões. Trabalhámos muito para garantir que ninguém esperasse grande coisa, e penso que cumprimos plenamente.

RB: Gostaria de realçar e acrescentaria às palavras da minha colega, que o silêncio também é cultura. E, nesse aspecto, temos salas absolutamente cheias de silêncio. Foi uma aposta ganha.

MFA: Foram anos com muitos eventos, festas de verão, mercados de Natal, insufláveis, etc... Nesta rica panóplia de eventos, onde entra a cultura?

SF: Oh, a cultura está em tudo, Manuel. Está no palco onde o cover dos Xutos tocou. Está na sardinha assada com sotaque. Está na actuação do grupo folclórico às 17h e no DJ com pen USB às 23h. Cultura popular é cultura também. E a alta cultura? Bem, essa, está a descansar.

RB: Acrescentaria, porque acho da maior importância, a descentralização. Por isso levámos cultura a sítios onde nunca esteve, e continuou sem estar. Mas o importante é que fomos lá.

MFA: O Barreiro Rocks, a OUT.RA, o Teatro Municipal, houve críticas quanto à falta de apoio efectivo. Como respondem a essas acusações?

SF: Demos todo o apoio que era possível dar, sem comprometer o orçamento das iluminações de Natal, claro. Temos prioridades. E o povo é de luzes que gosta. Luzes são cultura, desde que não sejam luzes de emergência.

RB: Além disso, apoiámos simbolicamente com a nossa presença, às vezes até sorrimos para a foto ou vídeo. E isso, para um artista, vale ouro. Já dizia o Picasso, "um aceno de vereador vale mais do que mil euros em co-produção".

MFA: E quanto ao Plano Estratégico para a Cultura?

SF: Foi um documento inovador. Criado, apresentado, e arquivado com muito rigor. Está disponível online, algures, entre as Actas da Câmara e os avisos de interrupção no fornecimento da água.

RB: Estamos em 2025. Já é altura de rever o plano. Talvez mudemos a fonte no Word. Modernizar é preciso.

MFA: Para terminar, que legado deixam à Cultura na nossa terra?

SF: Deixamos um Barreiro mais leve, sem o peso das exigências culturais. Um Barreiro onde a cultura respira com máscara, de preferência, para não contagiar ninguém com ideias.

RB: E deixamos sobretudo uma cultura segura. Onde nada muda, ninguém arrisca e todos saem da zona de conforto, exactamente onde estavam quando chegámos.

O Entrevistador desliga o gravador, agradece e recebe um folheto do próximo evento municipal, Noite do Rancho com DJ Litos, com entrada livre e cultura opcional.

(Esta entrevista é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade, é mais do que pura coincidência).

Os dois videntes do PS - Crónicas do Carreirismo

Pedro Delgado Alves & André Pinotes Batista, a Arte de Falar Sem Dizer Nada

Barba Azul, 15.04.25

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Pedro Delgado Alves e André Pinotes Batista são, cada um à sua maneira, filhos predilectos da máquina do Partido Socialista. Enquanto um parece ter saído diretamente de um manual de Direito Constitucional, comentado à luz da jurisprudência interna do Rato, o outro nasceu para declamar discursos com a intensidade de quem acredita que está no Coliseu de Roma, ou a relatar um jogo de futebol, na CMTV.

Pedro é o político de gabinete por excelência, um académico encartado que parece ter sido moldado para justificar qualquer trapalhada do PS com um sorriso tecnocrático e uma citação de rodapé. Ocupa a sua cadeira no Parlamento com a compostura de quem está sempre prestes a corrigir um aluno mal comportado e, de facto, é um mestre em corrigir o eleitorado sempre que este teima em não perceber as nuances do socialismo de conveniência.

Pedro Delgado Alves é o epítome da modéstia involuntária, aquele tipo raro de político que consegue transitar entre o Parlamento e os estúdios de televisão, com a graciosidade de quem nasceu para nos explicar o óbvio. Uma estrela cintilante do Partido Socialista, que brilha, não por iluminar o caminho, mas por reflectir intensamente as luzes dos holofotes.

André Pinotes Batista é, antes de mais, um fenómeno de entusiasmo que encanta e surpreende. Um entusiasmo quase comovente, daqueles que não se vêem desde os tempos em que os deputados ainda acreditavam que tinham algo para dizer. No caso de Pinotes, o problema não é a ausência de convicção, é o excesso de pose.

Pinotes não discursa, interpreta. Cada intervenção sua na Assembleia da República parece ensaiada ao espelho, com entoações milimetricamente calibradas e pausas dramáticas estrategicamente posicionadas, como se estivesse permanentemente em audição para um telefilme sobre o 25 de Abril. É a política como monólogo de palco e, como todo o monólogo, raramente admite contraditório.

Surgido nas fileiras do Partido Socialista como a personificação da nova geração, uma expressão que, no PS, significa mais do mesmo, mas com gel no cabelo, Pinotes rapidamente percebeu que a política moderna recompensa a aparência de conteúdo mais do que o conteúdo em si. E assim moldou a sua carreira, um deputado que nunca perdeu uma oportunidade para aparecer, mesmo que não tenha absolutamente nada de novo para dizer.

Mas onde verdadeiramente brilha é nos estúdios televisivos, onde a sua retórica inflamada pode expandir-se livre das amarras da realidade legislativa. É nesses espaços que André se transcende, transformando banalidades em epopeia, críticas em ataques pessoais e hesitações do partido em gestos estratégicos. Com ele, qualquer derrapagem ética pode ser embalada como uma falha de comunicação.


E se for necessário atacar a oposição? Faz-se, mas sempre com aquele tom magnânimo de quem, se não fosse socialista, seria provavelmente padre.

Pinotes, com aquele nome que parece inventado por um guionista da RTP Memória, representa o outro lado da moeda, o homem de causas, o filho do operariado que se transformou em tribuno do povo, com um ar sempre pronto a protagonizar um filme autobiográfico na RTP1 sobre a geração da Jota.

É a voz emocional do PS, enquanto Pedro é a voz nasalmente racional, mas ambos unidos por uma fidelidade canina ao partido, mesmo quando este se contorce em malabarismos éticos que fariam corar um deputado grego.

Curiosamente, ambos parecem acreditar que o comentário televisivo é um desígnio patriótico. Pedro, com o seu ar de professor, explica pacientemente porque os outros partidos estão errados, sobretudo se forem de esquerda, à sua esquerda, contrasta com Pinotes, sempre inflamado, como se cada painel fosse a última trincheira da social-democracia softcore, ou a não marcação de um penalti, a favor do seu querido Leão.

Enquanto Pedro Delgado Alves sobe na vida, pelas escadas encaracoladas do juridiquês, Pinotes vai de elevador emocional, acionado por frases sonantes e causas que soam bem no Twitter. Um recita pareceres, o outro escreve epílogos, mas ambos servem o mesmo altar, o culto da longevidade política à custa da convicção, ou da sua aparência.

Pedro Delgado Alves é daquele género raro que consegue estar presente em todos os fóruns mediáticos sem jamais arriscar uma ideia que o possam seguir no Google. Pinotes, pelo contrário, acredita que a emoção compensa a falta de conteúdo, e, comove-se, se necessário, com o som da própria voz.

No fundo, são duas faces da mesma moeda socialista, uma polida pela academia, outra esculpida pela dialética retórica, em que se mostram especialistas entre os melhores. Complementares, inseparáveis e igualmente preparados para, no futuro, escreverem as memórias de uma carreira onde, acima de tudo, nunca faltaram à chamada, quando era preciso dizer aquilo que convinha.

Se Pedro Delgado Alves é o tecnocrata que adormece com leis, André Pinotes Batista é o agitador de superfície que se embriaga com a própria voz. Juntos, provam que o PS continua a produzir talento, desde que o talento não atrapalhe o guião.

E o país, claro, agradece-lhes com a mesma indiferença que se dedica aos móveis pesados, que estão lá, são úteis, mas ninguém sabe bem porquê.