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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

O Lado P de Palco

Barba Azul, 12.05.25

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O Teatro da Auto-Satisfação Socialista no Barreiro

Num episódio a roçar o ridículo na política, no Instagram, transmitido como se fosse um “making of” da mudança, mas que mais parece um making fun da inteligência dos eleitores, André Pinotes Batista e Rui Braga protagonizam um exercício de egolatria política, que mistura propaganda com stand-up, numa performance tão oleada como uma rotunda acabada de inaugurar com pompa e drone.

Com um discurso que oscila entre o lirismo camarada e o delírio publicitário, André Pinotes apresenta Rui Braga como uma espécie de super-herói da política local, o “vice que não para”.
O problema é que não se sabe bem se não pára de trabalhar, ou se não pára de aparecer.

Há quem diga que no Barreiro, já deviam ter instalado um QR Code no casaco dele, dado o número de vezes que aparece nas redes sociais, com obras inacabadas como cenário de fundo.

Pinotes, com o seu habitual charme parlamentar, elogia Braga como se estivesse a apresentar o vencedor de um concurso de elegância autárquica: “Com esse casaco, pareces pronto para liderar uma cimeira europeia”.

De facto, o vice-presidente veste-se para impressionar, pena é que o município continue, muitas vezes, por vestir, enquanto as periferias do concelho se debatem com carências básicas e a mobilidade continua tão fluida quanto um buraco na EN10.

Entretanto, com a vida a correr-lhe de feição, os nossos protagonistas trocam galhardetes entre sorrisos cúmplices, como dois figurantes de uma novela cujo enredo ninguém escreveu, mas todos fingem que decoraram.

É neste cenário de fachada que se fala de habitação, mobilidade, fundos europeus, sempre com o tom de quem já resolveu tudo, mas que, por modéstia ou conveniência, ainda não divulgou os resultados.

A realidade, claro, tem outro guião, bairros degradados ignorados, planos de urbanismo entregues à especulação, e promessas de obras que se arrastam mais do que a fila da Transtejo num dia de greve.

O que se vê neste vídeo não é política, é encenação, um reality show socialista, filmado em modo campanha permanente, onde a crítica se dissolve num jogo de espelhos e os problemas reais são transformados em oportunidades para frases sonoras e poses bem iluminadas.

“O Lado P”, afinal, não é de “progresso”, mas de performance, e o Barreiro, entre o cansaço e o cinismo, assiste, com menos aplausos e mais contas para pagar.

 

Alburrica Encenada Com Arte Viva

Barba Azul, 10.05.25

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A Tragédia em Três Atos com Interlúdios de Auto elogio, poderia ser uma Dramaturgia municipal em versão estendida, por Frederico Rosa e a sua trupe de encenações políticas.

Como primeiro ato, nada como celebrar 45 anos de resistência cultural, com um elogio tão plastificado que poderia ser reciclado para embalar sardinhas ou depurar ostras e outros bivalves.

A ArteViva, essa companhia de teatro que sobreviveu ao desinteresse camarário e à precariedade institucional, durante décadas, é agora celebrada com pompa e circunstância, pelo mesmo poder autárquico, que tratou a cultura como rodapé orçamental durante mandatos inteiros.

Frederico Rosa, numa das suas melhores interpretações de “presidente sensível à cultura”, destaca, entre dois flashs e três soundbites, a importância da ArteViva, como se tivesse descoberto ontem a sua existência

Ato II – Os Moinhos da Narrativa

Os Moinhos de Alburrica, outrora ameaçados por abandono, agora são elevados a ícones do orgulho barreirense, quando durante anos serviram de cenário para promessas ocas, placas de obra eternamente penduradas e sessões fotográficas de campanha.

São “únicos no país”, diz-se com dramatismo, únicos, sim, pela capacidade de serem referidos em discursos, sem que se saiba exatamente o que lá foi feito, além de cal e cosmética.

Frederico Rosa fala em centros interpretativos, mas talvez se refira à interpretação artística da realidade, já que transformar o desleixo em “investimento estruturado” exige talento digno de palco.

A ArteViva foi medalhada em 2005 e galardoada em 2010. Nada disso foi iniciativa do atual executivo, mas isso não impede o uso retroativo abusivo dos feitos alheios, para envernizar o presente .

É a clássica política do “nós, que não fizemos isto, queremos agora parecer os autores”. A ArteViva, é usada como pretexto para auto elogio, como se fosse uma extensão do gabinete de comunicação da Câmara e não uma entidade que resistiu apesar da Câmara e sua composição política, uma festa em nome da cultura que é, na verdade, mais um ato de relações públicas.

Ato III – Barreiro uma Cidade Cenário

Tudo culmina num "grand finale", “reforçar o compromisso com a cultura e o património”, um compromisso reforçado com comunicados, fotografias, videos, slogans e… pouco mais.

Nas freguesias, os espaços culturais vegetam, os grupos amadores arrastam-se sem meios, os criadores locais mendigam apoios, mas nas palavras do presidente, vive-se uma renascença cultural digna de Florença ou Milão, já para não falar da Hollywood falhada da Quimiparque.

Talvez o compromisso seja apenas com a estética do compromisso, porque o conteúdo continua ausente, como certos figurantes que esquecem e baralham as falas em cena.

A Ironia Final desta celebração, no fundo, bem lá no fundo, serve apenas para mascarar a verdade, para que se diga que o Barreiro tem cultura apesar da Câmara, e não por causa dela.

Os moinhos podem ser símbolos do passado, mas o presente da política cultural barreirense é um moinho parado, gira apenas quando sopra o vento mediático certo, e a ArteViva, coitada, entre medalhas e discursos, continua a representar, mas fora de cena, nos bastidores de uma cidade onde a cultura é figurante de luxo num teatro de vaidades,.

E eis que surge, montado, não no Rocinante mas numa Trotinete Elétrica de uso partilhado, D. Quixote de Lá Mancha, versão autárquica adaptada, de lança substituída por microfone com auricular bluetooth.

Vê nos moinhos de Alburrica não testemunhos da incúria, mas gigantes culturais prestes a despertar com um mero despacho camarário, ladeado por um Sancho Pança travestido de chefe de gabinete, embrenha-se em mais uma cruzada pela "valorização do território", brandindo solenidade e promessas como armas. Cada pedra solta é uma oportunidade, cada telha caída, um “plano em fase de execução”.

E assim cavalga D. Quixote pela margem sul, confundindo ruínas com renascença, confundindo votos com virtude, confundindo propaganda com poesia, e a cultura, paciente como sempre, espera. Espera que um dia, talvez, alguém se lembre de a tratar com a dignidade que não cabe num discurso, mas sim num orçamento.

Até lá, que siga o espetáculo.

Cidade do Cinema no Barreiro

 Blockbuster de Promessas, Realidade em Stop-Motion

Barba Azul, 10.05.25

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Há projetos que nascem para mudar o mundo, outros, para mudar discursos, e há ainda aqueles que nascem apenas para encher panfletos de promessas, e capas de jornais regionais.

É este, o caso da gloriosa e eternamente iminente Cidade do Cinema no Barreiro, essa megaprodução do género ficção político-industrial, com argumento de Carlos Matos, produção de CDMInteractive e figurinos assinados por sucessivos autarcas de olhar visionário e bolso contido.

Anunciado com pompa, circunstância e uma pitada de megalomania, nos dourados anos 2000, o projeto prometia converter 20 hectares da Quimiparque, essa Disneylândia tóxica pós-industrial, num império audiovisual que deixaria Hollywood a chorar em Dolby Surround.

Estúdios de cinema, polos universitários, auditórios, laboratórios, milhares de empregos e, claro, a inevitável “atração internacional” que nunca falta nestes delírios de regeneração territorial.

Se alguém dissesse que estava prevista uma réplica digital do Óscar com sotaque alentejano, ninguém teria achado estranho.

Entre Sintra e o Barreiro, Deus escolheu o Barreiro, ou talvez não, se calhar, talvez tenha sido por avaliar os Barreirenses, como almas dóceis, de fé pronta e memória curta.

Aqui, uma promessa vale mais que uma obra, um sorriso e um aperto de mão, em campanha eleitoral, bastam para apagar anos de inércia, desleixo e oportunismo.

Os políticos repetem fórmulas gastas, slogans de papelão e inaugurações recicladas, e o povo, em vez de se indignar, aplaude com entusiasmo, como se fosse a primeira vez.

É essa paz resignada, que os torna presa fácil para quem faz da mentira um método, e da rotina do engano uma estratégia.

E assim se vive no Barreiro, entre o desalento e o conformismo, entre o que foi prometido e o que nunca chegará, com a cabeça baixa, mas no boletim de voto, está sempre pronto a repetir o erro.

Cascais recusou por questões ambientais, Sintra disse "não, obrigado", e o Barreiro, com o seu cocktail de amianto e esperança, foi considerado a “melhor alternativa”, porque quando todos os outros fogem, é aí que entra o Barreiro, com o seu charme oxidado e promessas que rendem mais votos que rendimentos.

Eram 300 milhões de euros que prometiam aterrar ali como se fossem extras num filme de super-heróis, mas, claro, como em qualquer produção portuguesa, não havia dinheiro para os efeitos especiais, nem para o guião, nem sequer para a claquete inicial.

O projeto foi debatido em assembleias, moções, congressos e cafés com bagaço, porque o PS queria acelerar o projeto, antes que ficasse, como um iogurte, fora do prazo.

O PCP dizia que o PS estava a usar o projeto como arma política, como se isso fosse uma novidade no cinema parlamentar, mas rumores de desvio para Loulé, surgiram como alternativa, ou talvez para manter a audiência acordada, e em 2008, alguém afirmava, com ar de produtor cansado, que o projeto estava pronto “para ser entregue à API”, mas ainda estavam à espera da ficha técnica.

Nada foi construído, nenhuma câmara foi vista, nenhum figurante foi contratado, e o único som ambiente que se ouviu na Quimiparque, foi o eco dos ratos a discutir qual deles interpretaria o protagonista da nova mini-série “O Desinvestimento”.

Os discursos, esses sim, mesmo sem infraestruturas, continuam a ser filmados em plano-sequência, sem cortes, com direito a banda sonora dramática e em tom menor.

Entretanto, os responsáveis locais, em vez de aceitarem que a “Cidade do Cinema” era apenas uma bobine vazia, viraram-se para outros projetos mais tangíveis.

Compraram o Teatro Cine do Barreiro, que vai ter de certeza, direito a cadeiras novas e um projetor que não derreta bobines.

Entretanto reanimaram o Cine Clube, porque afinal, o que é um município sem a sua dose anual de cinema francês, e pipocas compradas no Lidl?

O sonho, esse, continua a passar no Canal Memória, porque a Cidade do Cinema, essa epopeia inacabada, é hoje um símbolo, uma miragem no deserto, um monumento à arte de anunciar o que nunca se faz.

Infelizmente, este projeto, foi mais um triste episódio de uma série, sem fim, transformado num clássico do cinema político-português, à muito aceite pelos cidadãos, habituados ao género “planeamento estratégico com happy end cancelado”.

No fundo, o Barreiro teve a sua superprodução, só que, em vez de um filme, ganhou um trailer, e mesmo esse, com som intermitente, imagem tremida e legendas em atraso, permanecendo, como tantos outros, como um "sonho apenas anunciado"

A Ostra Fantasma do Tejo

Barba Azul, 09.05.25

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Um Conto de Promessas com Casca Rija

Olha, lá está ele outra vez a falar mal de alguém, dizem uns, não deve ter mais nada que fazer, dizem outros.

Talvez, tenham razão, mas caros amigos, o que me resta fazer quando o silêncio se torna cumplicidade e a indiferença um voto a favor?

Se criticar é tudo o que me resta para não adormecer a consciência, então deixem-me falar, mesmo que doa, mesmo que incomode, porque às vezes, o que parece maledicência é só o último grito de quem ainda não desistiu de se importar.

Depois desta introdução, e esclarecimentos devidos a quem se dá ao trabalho de ler as palavras que escrevo, vamos avivar, mais uma vez, algo que, tal como outras promessas, passaram e ficaram nas catacumbas do esquecimento da política.

A BIVALOR, soa a futuro, a inovação, a sustentabilidade, ou mais um nome com ares de start-up escandinava, mas com alma de promessa portuguesa, ruidosa no anúncio, silenciosa na execução.

Corria o ano de 2019, Rui Braga, então com o microfone na mão e o Tejo à retaguarda, prometia aos céus e à imprensa uma revolução molluscular.

Apresentaram-nos a Unidade de Depósito, Transformação e Valorização de Bivalves do Estuário do Tejo, um monumento à modernidade, erguido sobre berbigões, amêijoas e sonhos húmidos de conchas recicladas.

Com um investimento de 2,36 milhões de euros, anunciado como quem abre um templo do sushi em plena maré vazia, o futuro, diziam eles, o Barreiro, finalmente no mapa dos moluscos.

Mas eis que, como bom prato de marisco servido em restaurante de beira de estrada, a BIVALOR veio com areia, muita areia, areia talvez demais para as cabeças de alguns visionários de algibeira.

No primeiro episódio, problemas nas fundações, dizia-se, talvez as conchas não sustentassem sonhos de betão.

Em 2021, para não perder a tradição da segunda ronda de promessas, o Governo garantiu, "Agora é que é! Em agosto começa a obra!", uma frase tão repetida no Portugal profundo que podia constar no hino nacional.

Chegámos a 2025, e o Tejo continua lá, as amêijoas continuam a ser apanhadas em condições sanitárias dignas de um documentário distópico.

E a BIVALOR, bem, a BIVALOR permanece onde sempre esteve, na nebulosa confortável das intenções, entre o PowerPoint de 2019 e os comunicados de imprensa que nunca envelhecem porque nunca se concretizam.

E o investimento, o investimento agora, já vai nos 2,5 milhões, o milagre da inflação ou da fé, agora que Habemus Papa, e terminou a vacatura no Vaticano.

A página da Câmara Municipal do Barreiro sobre o tema, é um túmulo digital, o IPMA, mais ocupado em prever tempestades do que em esclarecer onde está a fábrica dos bivalves fantasmas, os responsáveis, em campanha, de férias ou promovidos, e o projeto, se calhar enterrado sob as fundações que nunca existiram.

Não há casca que aguente, este era o projeto que ia salvar os mariscadores, dizia Rui Braga, dinamizar a economia local, dar uma nova vida às conchas. No fim, nem cascas nem vida, só mais uma promessa que virou maré morta, ou talvez apareça, um dia, quem sabe, num qualquer cartaz da Cidade do Cinema.

Mas não desesperem, talvez em 2029, com novo figurino e novo nome, quiçá "BIVAPROMESSA 2.0", um outro Rui Braga apareça, como cabeça de cartaz, e se lembre de cortar mais uma fita num terreno baldio.

Com sorte, talvez tenhamos um novo ministro da tutela, obcecado por petiscos na frente ribeirinha, haverá berbigões congelados no catering, e tudo parecerá outra vez... fresco.

Barreiro 2050, segundo Braga & Companhia

Barba Azul, 08.05.25

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Barreiro 2050, A distopia cor-de-rosa segundo Rui Braga & Companhia

Imagine um universo paralelo, um Barreiro onde os prédios se reabilitam sozinhos, os esgotos no deixam de cheirar por decreto e as pessoas participam entusiasticamente em reuniões públicas sem sequer pensar em atirar cadeiras.

É este o mundo maravilhoso que nos é servido, com guardanapo ao colo e sorriso de powerpoint, por Rui Braga, vice-presidente da Câmara Municipal do Barreiro e, ao que tudo indica, autor de uma novela de ficção política com o título provisório, “Como fazer parecer que se faz sem ter de fazer de facto”.

O video-texto que protagoniza, é uma espécie de soufflé urbanístico temperado com as palavras “incentivo”, “reabilitação”, “património” e “dinamização”, tudo polvilhado com aquele entusiasmo tipicamente tecnocrático de quem passou demasiado tempo fechado num gabinete com gráficos, mas sem janelas.

Vamos por partes, como quem corta uma rotunda nova em três fases para adjudicar mais vezes.

Rui Braga explica que a câmara oferece “benefícios fiscais”, “apoio técnico” e até “linhas de crédito facilitadas”, isto, claro, se o privado em causa for suficientemente masoquista para enfrentar a burocracia camarária e sobreviver a uma junta médica depois de tentar perceber onde começa o licenciamento e termina o labirinto kafkaiano de requerimentos.

O Barreiro dá apoio técnico, sim, desde que traga lanche de casa e duas cópias autenticadas da certidão de óbito do último arquiteto que se atreveu a mexer num prédio antigo da CUF.

Há uma ternura quase poética na forma como se fala das fábricas desativadas, porque podiam ser espaços de cowork, habitação ou comércio, diz Rui Braga, com a candura de quem nunca visitou o interior de uma dessas ruínas sem máscara de amianto.

O património industrial do Barreiro é tão valorizado que alguns edifícios já estão no estágio avançado da arqueologia urbana, onde só faltam os guias turísticos em toga a explicar aos romanos como funcionava uma linha de enlatados.

Nada como abandonar o centro histórico para fazer um novo “centro”, com história local, mas fabricada, que será um bocadinho como abrir uma loja de produtos regionais dentro do IKEA, pode cheirar a enchido, mas sabe a esferovite.

A deslocação dos serviços da câmara para o Fórum Barreiro, aquele centro comercial com mais eco que lojas, justificada com a frase “redistribuição da dinâmica”, como quem tira um sofá velho da sala e o enfia na arrecadação, esperando que passe por novo, é o equivalente urbanístico a esconder a desorganização debaixo do tapete, mas com uma grua.

Traduzindo, já que não conseguimos animar o centro, vamos matá-lo de vez e ver se a população segue os papéis para outro lado

O Balcão Único, essa entidade mística, que já habitou mais sítios que um ciganito em Erasmus, agora foi ancorar no Fórum, talvez na esperança de que os munícipes, ao irem tirar uma certidão, comprem umas cuecas na Tezenis e assim salvem a economia local.

Na prática, “redistribuir a dinâmica” significa que vamos tirar os serviços de onde as pessoas estão e enfiá-los, e onde ninguém quer ir, para ver se alguém, com sorte, tropeça neles, entre uma loja de telemóveis e uma placa de "Brevemente, nova abertura" que já está lá desde 2014.

Diz-se que as obras do Pólis foram concluídas. Diz-se, com o mesmo entusiasmo com que se diz que o Pai Natal existe, ou que o Barreiro vai ter um hotel de cinco estrelas, com fé, suor e ausência total de evidência empírica.

A lista de atividades para os “novos” espaços do Pólis parece saída de um brainstorming feito entre um vereador com PowerPoint e um promotor imobiliário com um mapa do Monopoly. Parques infantis, esplanadas, bicicletas enferrujadas chamadas “equipamento de fitness, e de tempos a tempos, uma Feira da Bagageira, em que a Câmara não mete a estopa.

Sanitários públicos, é que por enquanto não existem, existe um estudo, pois estão previstos, o que no Barreiro significa que podem vir a existir algures entre a canonização do Rui Rio e o regresso da CP ao século XXI.

O que acontece no Barreiro, onde até o Robin dos Bosques municipal veste fato e gravata e, em vez de roubar aos ricos para dar aos pobres, cede aos privados para que estes possam depois cobrar aos pobres, com multibanco.

A mais recente demonstração de generosidade camarária é digna de constar num manual de "Como Privatizar com um Sorriso nos Lábios e Dinheiro dos Outros no Bolso". Terrenos públicos, repita-se com gosto e subtileza, "pú-bli-cos", são entregues a privados com uma reverência que faria corar um vassalo medieval".

E para quê? Para construírem “unidades hospitalares” ou “afins”, ou seja, hospitais e clínicas, onde se paga à entrada, à saída e, se calhar, por pensar em marcar consulta.

Tudo isto feito com uma subtileza estratégica, para que estes privados não gastam um cêntimo,
E o que dizer na formação dos técnicos, que vão servir esses privados da saúde, para quê investir, questionam-se, quando o Estado já o fez por eles?
Os profissionais fresquinhos das universidades públicas, estagiam nas unidades de saúde do SNS, e saem diretamente para clínicas e hospitais privados, com salários reluzentes, como as promessas eleitorais, mas com mais probabilidade de serem cumpridas.

O Serviço Nacional de Saúde, coitado, fica a olhar para este esquema, como um clube amador a ver os seus melhores jogadores assinarem por clubes ricos, que treinam no campo que ele próprio pagou, e ainda têm de aplaudir.

Afinal, é bom para o concelho, claro que é, tal como é bom deixar a chave de casa ao assaltante para ele não ter de arrombar a porta.

Enfim, no Barreiro, até a saúde virou negócio, e o negócio está de boa saúde, já os munícipes, esses, esperam sentados, se houver onde.

É uma espécie de privatização zen, não se vende, cede-se com amor, o cidadão perde o espaço, mas ganha uma unidade de saúde privada.

A solução para os problemas de esgotos nas AUGI, é simples, basta deixar que o cheiro resolva por si, segundo o evangelho segundo de São Rui Braga, o caminho faz-se com redes de saneamento. Eventualmente, fossas menos medievais, quiçá e muita, muita sensibilização, porque, como se sabe, o principal problema das casas sem saneamento básico não é a falta de infraestrutura, é a falta de consciência ambiental dos moradores que, ingratos, não conseguem encontrar poesia na lama.

Claro que tudo isto está “em fase de estudo”, esse estado etéreo onde projetos públicos vão hibernar até que surja um momento oportuno, tipo, vá, um ciclo eleitoral.

O cronograma, esse animal mitológico que apenas se avista em PowerPoints, com cliparts de arco-íris, é descrito como “complexo”, por outras palavras, não há datas, não há prazos, não há pressa, mas há sempre esperança de inaugurar qualquer coisa simbólica, com uma fita para cortar e uma selfie ou vídeo para postar.

O que Rui Braga nos oferece é uma política de saneamento baseada em três pilares, fé, propaganda e odor persistente, enquanto isso, os residentes das AUGI continuam a viver entre o balde e a promessa, num território onde o esgoto é clandestino, mas o abandono é institucionalizado.
Ou seja, como tantas outras, uma excelente, deslumbrante e verdadeira obra de engenharia política.

A solução para os problemas de esgoto nas AUGI, é só uma, esperar.
Rui Braga propõe a construção de redes, melhoria de fossas, sensibilização dos moradores, tudo ótimo, tudo certo, tudo “em fase de estudo”. O cronograma, esse mito que alimenta gerações de técnicos municipais, é “complexo”, traduzindo, “não sei quando, nem se, mas vamos lá ver se dá para meter uma placa antes das eleições.”

A participação cidadã, no Barreiro, é aquele outro espetáculo de ilusionismo político onde todos fingem que a população tem voz, mas ninguém lhe dá microfone.

É a cereja podre, claro, no topo do bolo de betão. Se existirem inquéritos, que dúvido, devem ir direitinhos para o arquivo morto. As sessões públicas, cuidadosamente coreografadas para parecerem debates, com plataformas online que servem sobretudo para demonstrar, que a internet e a mediocridade dos intervenientes, sem excepção, também pode ser o deserto e afastamento da população, que prima pela ausência, face ao desinteresse do debate, pela baixa qualidade dos intervenientes

O entusiasmo municipal pela escuta ativa é comovente e constangedor, ouvem tudo com muita atenção, e depois fazem exatamente o que já estava decidido há seis anos, com powerpoints reciclados e promessas com prazo de validade anterior à pandemia.

A participação é sempre bem-vinda, mas desde que seja passiva, breve e não altere nada, transformando-se num triste exercício da democracia, mas em cinema mudo.

O Futuro é já daqui a um bocado.

QUE SE DÊ INÍCIO AO ESPECTÁCULO

Barba Azul, 05.05.25

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Uma Travessia Eleitoral, no Terminal do Ridículo

Os candidatos do PS pelo Círculo de Setúbal, partilharam ideias e ouviram quem utiliza todos os dias este serviço essencial no Terminal Fluvial do Barreiro.

Foi bonito de se ver, a encenação estava montada e era perfeita, os figurantes alinhados, cabelo solto e barba por fazer, vestidos, como qualquer dos mortais que todos os dias vão para o suplício da travessia do Tejo.

Os militantes devidamente mobilizados pelos caciques cá do burgo, voluntariamente, claro, e até o sol apareceu para iluminar esta peregrinação fluvial de última hora.
Só faltou mesmo o cartaz a dizer “Campanha a Bordo, bilhetes gratuitos para a demagogia”, mas não era preciso, porque os cidadãos quase todos tinham passe.

Os candidatos aproximaram-se com aquele sorriso plastificado que só se aprende em workshops de marketing político, estenderam as mãos suadas pelo peso dos panfletos, ao cidadão e dispararam: “Estamos aqui para ouvir as suas preocupações!”, como se ouvir fosse o novo milagre da multiplicação dos votos.

O cidadão, com os olhos gastos de quem já viu promessas nascer e morrer no intervalo entre dois ciclos eleitorais, respondeu com um "pois, pois" que contém mais história que o currículo do candidato.

Mas o políticos não desistem, tiram uma selfie, prometem soluções “estruturais”, e desaparecem em passo acelerado, como quem foge de uma dívida emocional.

Ao longo destes contactos, foram ouvindo, um a um, as queixas dos que utilizam este terminal fluvial.

Um primeiro cidadão atira “Isto está uma miséria", outro “Os barcos falham todos os dias ou andam atrasados” ainda um terceiro “Porque é que só aparecem agora?”, ao que os candidatos responderam com o habitual aceno de cabeça, um “tem toda a razão” e um olhar fixo, que para bom entendedor basta, “Se eu aguentar mais 5 minutos aqui, talvez consiga mais 10 votos e um lugarzinho em 18.º na lista.”

Afinal, a campanha não é sobre resolver problemas, é sobre fingir que se importa tempo suficiente para garantir um lugar na Assembleia, de preferência, com vista para o silêncio dos quatro anos seguintes.

Os transportes públicos são uma prioridade, claro que são, aliás, são tão prioridade que só se fala neles quando há eleições. Nos outros meses, ficam entregues ao caos, aos atrasos, às greves, às promessas recicladas e aos passageiros abandonados, esses heróis do quotidiano que vivem a versão portuguesa do Survivor na Transtejo.

Mobilidade centrada nas pessoas, aquelas mesmas pessoas que não têm alternativa a não ser esperar meia hora por um barco que nunca vem, ou se atrasou, enquanto os decisores no poder e arredores viajam confortavelmente nos seus carros com motorista, pagos como sempre, pelo contribuinte, aquele ser mitológico que também apanha o barco, mas só é prioridade, em tempo eleitoral.

E há ali um detalhe deveras encantador e ao mesmo tempo confrangedor, os candidatos estiveram acompanhados por autarcas e militantes locais, ou seja, neste caso presenciado no local, a excursão da família socialista do costume, e onde ninguém se ouve, porque todos querem ser cabeça-de-lista nas próximas eleições autárquicas.

Depois disto, falta só a parte habitual, as selfies com o Tejo atrás, o vídeo com música inspiradora, e a hashtag final #FuturoÉJá, quando na verdade o futuro é sempre adiado para depois das eleições, que é quando os barcos voltam a falhar, os candidatos desaparecem, e as pessoas, essas sim, continuam à espera, não do barco, mas de vergonha na cara dos que dizem representá-las.

O museu vivo do desespero quotidiano

Barba Azul, 04.05.25

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Como transformar uma cidade, antes operária, num museu vivo do desespero quotidiano?

Houve um tempo em que o Barreiro era apenas esquecido, agora é pior, é lembrado, mas de forma errada, e disso se encarregou o executivo PS, qual artista do sofrimento público, desenhando um município em que a regeneração urbana se confunde com um reality show de sobrevivência, onde os prémios são mais rotundas, mais entulho e mais gente sem saber por onde passar, nem para onde ir viver.

Perguntamos, qual a razão disto estar a acontecer? Porque, sim, o Barreiro está a sofrer das dores de crescimento, cada vez com mais residentes a cada dia que passa, mas sempre com os mesmos acessos, cada vez mais degradados.

Gente à procura de refúgio dos preços lisboetas, da especulação da Capital, e que encontra, no Barreiro, uma cidade em obras. Uma cidade onde o progresso se mede em metros de vedações metálicas e atrasos nas entradas e saídas do Concelho, onde viver é esperar, esperar que acabe a fila, que a rua reabra, que o autocarro passe, que o PS desista.

Mas não desiste. O que seria de um bom executivo sem uma população exausta, atolada em condicionamentos diários que transformam a ida ao trabalho num episódio do “Fear Factor”? Os munícipes do Barreiro estão rendidos, não por admiração, mas por cansaço. Rendidos ao martírio de viver numa cidade onde a mobilidade é um conceito teórico, bonito nas brochuras, insuportável na prática.

É a cintura do concelho que agoniza com as inoportunas decisões da autarquia, os acessos periféricos, saturados e ignorados, são uma espécie de prova física para quem ousa viver em Santo António, Palhais, Lavradio ou Coina.

A cidade já não tem vida. Está a morrer dia após dia. A ausência de atractividade, que era o comércio local, defunto, barricado por intervenções, sem qualquer preocupação nem planeamento, que respeite os seus cidadãos.pois para ser percorrida, sujeitam-se a uma autêntica prova que nais parece uma prova de obstáculos.

E no centro, de coração partido com tudo isto, está o palco principal da pantomima: ruas fechadas, passeios arrancados, o comércio sufocado. Três meses antes das eleições, como num ritual obscuro, começam as obras.

As grandes, aquelas que mudam a vida de todos para pior. São os tambores de guerra de uma campanha que não precisa de ideias, basta mostrar obra. Qual obra? Qualquer uma. O objetivo não é concluir, é começar. Começar o suficiente para render imagens, entrevistas e promessas. Depois, logo se vê. A democracia foi substituída por maquinaria pesada.

E os velhos? Os peões? Os utentes? Ah, esses que se lixem, que caminhem sobre brita, que empurrem carrinhos de bebé por terrenos inclinados, que fiquem isolados em suas casas enquanto a retroescavadora decide.

Os que ainda resistem no Barreiro, fazem-no como se vivessem numa distopia mediterrânica, porque a cidade tornou-se numa performance involuntária, a encenação do que seria o progresso, caso ele fosse desenhado por gente que nunca tem de estacionar, esperar o autocarro ou caminhar à chuva com sacos de compras.

E não nos esqueçamos da acessibilidade urbana, porque não basta complicar a periferia, há que tornar o centro também impraticável. Uma espécie de justiça distributiva do incómodo, com ciclovias que ninguém pediu, passeios que acabam em degraus, obras que se sucedem sem transição.

Mobilidade reduzida, só se for a dos próprios munícipes, obrigados a contornar tapumes como num labirinto de Kafka com orçamento comunitário.

O Barreiro transformou-se numa máquina de atrair habitantes e expulsar qualidade de vida. Cresce em população e diminui em habitabilidade, tudo em nome de uma requalificação que parece feita por sadistas urbanos com mestrado em frustração pública.

E o mais dramático desta triste situação, é que já ninguém se queixa. Queixar-se, seria admitir esperança e o Barreiro não vive de esperança, vive de sobrevivência. O maior sucesso deste executivo foi convencer a cidade de que não há alternativa, de que o desconforto é o preço a pagar pela europeização, essa palavra mágica que justifica tudo, até destruir o quotidiano de cada um.

No final, o PS não está a requalificar o Barreiro, está a recondicionar a resistência popular, está a treinar a população para a resignação, a fazer-nos aceitar o desconforto como modernidade, o atraso como estratégia e o caos como estética.

E todos nós, presos entre vedações, buracos, rotundas e silêncios, aplaudimos com as mãos sujas de pó e paciência, porque ainda acreditamos, por vício ou por desespero, que um dia a cidade será melhor, mas visto e vivido de perto, o processo só indica pioras. Deve ser a estas que chamam as melhoras da morte.

Quando parece que vai melhorar, o resultado é acabar ainda pior!

Proteção Civil, sempre presente na foto, mas ausente na catástrofe

Barba Azul, 03.05.25

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Foi num país chamado Portugal, mais precisamente numa República onde a proteção civil virou espetáculo, que se deu um dos mais elegantes números de desaparecimento institucional desde que Salazar decidiu que as cheias de Lisboa não eram um problema de Estado.

O apagão europeu fez-se sentir com força e com o silêncio cúmplice da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e sua tutela, esse monumento à operacionalidade de sala de reuniões e ao briefing fotogénico.

Portugal em 2025, um país com mais planos de emergência do que médicos de família, mais comandos operacionais do que ambulâncias em funcionamento, e onde a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) se transformou numa confraria de especialistas em evacuações de PowerPoints.

O país tremeu, não com um sismo, mas com um apagão europeu de proporções históricas, e o que fez a ANPC? Recolheu-se à sua verdadeira missão, o de não incomodar ninguém com a sua ausência.

A ANPC, para quem ainda não teve o privilégio de visitar um dos seus reluzentes comandos distritais, ou observar os seus desfiles de viaturas novinhas em folha, com ar condicionado, claro não podia faltar, é hoje muito mais do que uma instituição, é um palco num teatro de cargos, fardas, galões e assessores de imprensa.

Transformou-se numa estrutura paramilitarizada de conveniência, cuja principal missão é a de garantir a visibilidade dos seus quadros superiores, em momentos de “crise fotogénica”, como incêndios com cobertura televisiva ou cheias em zonas urbanas com acesso por autoestrada.

Só que, quando a verdadeira emergência bate à porta, como foi o caso do apagão elétrico que mergulhou partes do país na escuridão e no caos, a ANPC revela o seu verdadeiro poder, o de desaparecer mais depressa do que a energia elétrica.

Nenhum posto de comando visível, nenhuma declaração útil, nenhuma coordenação visível de respostas, apenas uma entidade de papelão, cuja única luz parecia vir do brilho das suas viaturas estacionadas junto aos cafés das autarquias.

Falemos das tais "delegações autárquicas". Uma nomenclatura elegante para aquilo que, na prática, são postos avançados de influência partidária, cunhas institucionalizadas e centros de formação de futuros boys de galão ao ombro.

Estas estruturas, muitas vezes justificadas com o argumento da “proximidade às populações”, servem sobretudo para criar tachos com legitimidade protocolar e uma farda por medida, tudo pago pelo erário público, claro, com viaturas atribuídas, subsídios de disponibilidade, cartões de combustível e uma presença constante em cerimónias, onde se inaugura até a sombra de um extintor.

E neste cenário de desastre silencioso, há que destacar os heróis da invisibilidade, as estruturas municipais da chamada “proteção civil local”, com um destaque especial para a escola de fingimento operacional que é a Proteção Civil da Câmara Municipal do Barreiro.

Sim, o Barreiro, terra de promessas não cumpridas, rotundas multimodais e agora, palco de uma proteção civil que faz tudo, menos proteger.

Com um orçamento que cresceu proporcionalmente à vaidade dos seus dirigentes, a Proteção Civil Municipal do Barreiro tornou-se um microcosmo do que de pior se produz no país em matéria de segurança pública delegada.

As fardas chegaram antes do plano de ação, mas os veículos rotulados, gabinetes equipados com televisores de parede, rádios VHF que raramente transmitem mais do que silêncio, e pessoal técnico especializado, em justificar a sua presença com relatórios vazios e agendas de Excel, esses, antes de lá estar, já sabiam que iam ficar.

A grande prioridade foi a inauguração do “Centro de Coordenação Municipal de Emergência”, uma sala com mapas, computadores desligados e café em cápsulas, que está sempre em prontidão, para as visitas do executivo.

E durante o apagão, nada, a não ser o coordenador nomeado, para compensar alguns favores dos eleitos autárquicos, à sua companheira, aliás também ela agraciada, pavonizando-se com a sua deslumbrante viatura, iluminando os céus com os strobs multicolores do tejadilho.

Nem coordenação com os bombeiros, nem apoio à população vulnerável, nem postos de informação pública. O que se viu foi o habitual ausência. Nem os geradores da Proteção Civil Municipal foram ativados no devido tempo, porque muitos nem sequer funcionavam, ou funcionaram tarde e a más horas, vítimas da manutenção negligenciada ou da habitual “falta de verba”, verba essa que não falta para a substituição da viatura do coordenador local, que precisa de conforto para se deslocar entre casa e as cerimónias.

Durante horas, enquanto famílias inteiras ficavam sem eletricidade, água e informação, o Barreiro teve a sua proteção civil onde sempre esteve, a dormir nos manuais, ou a rever os vídeos promocionais da última campanha de sensibilização feita com drones e música épica.

Mas quando há um simulacro, aí brilham e de que maneira, com as suas reluzentes fardas engomadas, rádio ao peito, e o habitual teatro com figurantes escolares. Um teatro que custa caro, mais de 300 mil euros anuais só em custos operacionais, sem incluir os investimentos “estratégicos” como tendas que ninguém monta, viaturas que não andam e software que ninguém sabe usar.

E tudo isto para quê, para que, nas emergências verdadeiras, possamos confirmar o que já sabemos, não estão preparados, não estão presentes, mas estão nomeados, porque actualtmente a proteção civil virou um fetiche burocrático.

No Barreiro e no país, não é feita para proteger, mas para projetar carreiras, para justificar cargos, para simular competência. As populações são apenas figurantes neste fetiche, porque o verdadeiro foco está nos gabinetes, nos manuais que ninguém lê, e nas avenidas de financiamento europeu, que permitem comprar mais equipamento para ser exibido, mas raramente utilizado.

A cereja em cima deste bolo de incompetência institucional é a hipocrisia, pois exigem respeito, bajulam-se entre si com medalhas e louvores mútuos, e fazem da tragédia um palanque.

Mas quando se exige eficácia, quando falta luz nos hospitais, água nas torneiras ou sinal nas comunicações, voltam à sua verdadeira natureza, a de um organismo decorativo, de cerimónias e simulacros.

A ANPC tornou-se, portanto, um modelo de espetáculo burocrático, um parque temático de inutilidade operacional, um símbolo de como a elite da proteção civil se deixou capturar pela vaidade e pela ambição partidária.

Já não se movem por emergência, mas por convite, já não atuam por necessidade, mas por oportunidade, e quando chega a hora da verdade, nada, nem um gerador, nem uma mensagem de alerta, só o silêncio de quem tem um cargo, mas não tem função.

Em Portugal, proteção deveria ser sinal de aparecer, e de "civil" só têm mesmo é no nome, porque quando Portugal precisa da Proteção Civil, ela está a preparar um relatório, quando a emergência bate à porta, estão todos em reunião, e quando tudo falha, a ANPC manda um comunicado, ao fim de 48 horas, quando já todos passámos necessidades e sentimos o quão desprotegidos estamos.

E no Barreiro, então, não é diferente, é só mais caro.

A Grande Parada dos Ilusionistas da Margem Sul

Barba Azul, 03.05.25

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O dia 1.º de Maio, esse dia tradicionalmente dedicado à luta dos trabalhadores, às causas sociais e à memória de quem fez do suor um instrumento de dignidade, foi este mesmo dia que a AD (coligação PSD/CDS), escolheu para transformar a Baía do Seixal num desfile de vaidades com cheiro a naftalina e verniz estalado, porque nada diz “mudança e esperança” como um conjunto de rostos reciclados, discursos plastificados e promessas ocas com fundo musical de fanfarra invisível.

Comecemos pelo cenário “fantástico”. A Baía do Seixal, que já foi local de estaleiros, de pescadores e de trabalho árduo, serviu agora de passarela para uma encenação política com um nível de autenticidade equiparável a uma telenovela venezuelana mal dublada.

Palco de plástico, sorrisos colados com Super Cola 3, e uma claque cuidadosamente posicionada, para fingir entusiasmo genuíno. Tudo isto para dar brilho ao desfile dos “melhores entre os medíocres”.

A estrela convidada, Maria Luís Albuquerque, a comissária europeia que passou do “irrevogável” gasparismo, para um exílio dourado em Bruxelas, onde o tempo passa devagar entre jantares com lobistas e conferências sobre "resiliência orçamental".

A sua intervenção foi um compêndio de lugares comuns, embrulhado numa linguagem técnica pensada para parecer profunda e, simultaneamente, incompreensível, por outras palavras, uma ode à arte de dizer nada com ar de quem leu muito.

Ana Clara Birrento, a vice-presidente do CDS com nome de personagem de novela da TVI, também marcou presença. Candidata a deputada, vice de qualquer coisa e mestre da ubiquidade, representa aquele talento raro de estar sempre presente sem nunca deixar marca, um verdadeiro produto da escola política da pose sem proposta.

E claro, a grande cabeça de lista, Teresa Morais, figura perene da direita reciclada, encarna na perfeição o espírito da coligação, uma mistura de sobriedade moralista com irrelevância estratégica. Vice-presidente da Assembleia da República, mas ausente de qualquer debate relevante nos últimos anos, surge agora como a face da renovação que nunca se renova. Um busto falante, ideal para inaugurações e cerimónias protocolares, menos para pensar o futuro.

E como esquecer os nossos heróis locais? Bruno Vitorino, que coleciona candidaturas como se fossem cromos da Panini, e Sílvia Santos Ratão, cuja notoriedade política é equivalente à de um vereador do pelouro das lombas e passadeiras, representam o Barreiro na lista, não por mérito, mas porque alguém tem de encher os lugares do fim. São o equivalente político ao arroz em festas de família, onde ninguém vai por causa dele, mas se faltar, alguém repara.

O discurso de fundo, “Rumo à vitória! Portugal não pode parar!”, um slogan tão vazio quanto genérico, que poderia ser usado por uma equipa de andebol, uma rede de cafés franchisados ou uma seita motivacional.

Ninguém explicou de que vitória falavam, nem para onde querem ir, porque se for para continuar no trilho da banalidade, da falta de visão e da gestão por PowerPoint, então talvez Portugal devesse parar, respirar fundo e pensar.

Este evento não foi uma apresentação de candidatos, foi uma missa laica da hipocrisia política, um culto ao vazio, uma romaria da mediocridade.

E tudo isto com um pano de fundo “Fantástico”, fantástico, de facto, no sentido mais ilusório, mais artificial, mais desconectado da realidade concreta de quem trabalha, vive e espera algo mais do que uma pose fotogénica junto à água.

Setúbal e o Barreiro merecem melhor, mas vão ter que continuar a esperar, por melhores dias, porque com esta lista, o futuro é só um eco longínquo da mediocridade passada.

O Barreiro Joga em Casa, mas com a Baliza às Costas

Barba Azul, 02.05.25

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O Barreiro assistiu, incrédulo mas já sem surpresa, à apresentação de José Paulo Rodrigues como candidato à Câmara Municipal. Foi um momento solene, daqueles que selam os destinos das cidades como um autogolo aos 92 minutos, com o defesa a apontar para o céu, mas a bola a entrar mesmo.

O homem regressa ao campo político com a leveza de quem nunca chegou a sair, como um lateral que passa a época no banco mas nunca deixa de aquecer, sempre pronto a entrar, mesmo que o jogo já esteja perdido.

José Paulo, eterno suplente do bom senso e titular absoluto da banalidade, trouxe consigo a camisola do discurso gasto, já com os patrocínios debotados da moralidade institucional e das promessas recicladas.

Disse, com voz embargada de emoção sintética, que o Barreiro precisa de “mudança”, e nós, cidadãos desidratados de esperança, percebemos logo, não é mudança o que se avizinha, é rotação, para mais uma volta olímpica à mediocridade.

Este homem, que fez do futebol local a sua plataforma emocional e eleitoral, trata o município como se fosse um balneário velho, paredes a descascar, rivalidades mal resolvidas, e um cheiro entranhado de mofo e vaidade.

José Paulo é o tipo de dirigente que chega ao intervalo com o discurso motivacional de sempre, “Temos de acreditar”, mas ninguém acredita, nem ele.

Apresenta-se agora como o treinador da salvação, um Mourinho do Barreiro, mas sem títulos, sem ideias, sem plantel.

A sua “equipa” é aquela que já jogou, jogou, e nada ganhou, fizeram-se passes, sim, triangulações entre partidos, cruzamentos para as bancadas certas, tabelinhas com amigos nos lugares certos, mas golos, só na própria cidadania, e a equipa desceu de divisão.

A sua ideia de futuro tem a tática de um treinador de Iniciados, todos à frente, ninguém atrás, e Deus nos acuda.

Fala de “proximidade” como quem promete abraçar o povo, mas só depois de desinfetar as mãos.

Fala de “novas oportunidades”, como quem distribui minutos de jogo a velhos caciques reformados, mas ainda com chuteiras nos pés, e fala de “valorização do Barreiro” como quem fala de um clube que não sobe de divisão há décadas, mas que insiste em renovar com os mesmos dirigentes, que o levaram à ruína, e na eminência de perder o próprio campo onde joga.

O Barreiro, esse, vai assistindo de bancada, com cachecol ao pescoço e olhos lavados em desalento, porque cada promessa é como um golo anulado pelo VAR da realidade, porque cada novo ciclo político é apenas o prolongamento dos mesmos 90 minutos de frustração e desinteresse, porque já não há claque, só silêncio.

Já só se ouvem cânticos e queixas nos cafés, e José Paulo acena à bancada como quem marcou, sem perceber que já estava fora de jogo desde o apito inicial.

Esta candidatura é o equivalente político de um campo pelado num domingo de inverno, lama até ao pescoço, um árbitro que finge que vê, e jogadores que só estão ali porque o café da Sede abriu tarde.

O Barreiro não precisa de um capitão de equipa cansado a gritar slogans, precisa de refundação, de reset, de revolta cívica, mas José Paulo Rodrigues não passa de um replay eterno de uma jogada que nunca deu em golo.