Pinotes e o Papa
A homilia laica do deputado missionário
Na sessão da Assembleia Municipal do Barreiro, hoje, dia 23 de abril, assistimos a um milagre. Não foi a multiplicação dos pães, mas a multiplicação dos lugares comuns. André Pinotes Batista, numa performance que oscilou entre a prédica e o panfleto, resolveu homenagear o Papa Francisco com a unção de quem descobriu a espiritualidade nos últimos resultados da Eurosondagem.
Emocionado, citou o Pontífice como se citasse o Che Guevara de batina, esquecendo-se, por momentos, que a Assembleia Municipal do Barreiro não é nem o Vaticano II nem a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Faltou-lhe apenas puxar de um terço, e ajoelhar-se diante do retrato oficial do presidente da mesa, a sua própria pessoa.
Falou do Papa como “homem de pontes”, como “voz dos esquecidos”, como se ele próprio não fizesse parte da maquinaria partidária que há décadas ergue muros de betão, paternalismo e clientelismo no Barreiro, não precisamente os muros do Vaticano, mas os da indiferença política a que o PS local já nos habituou.
É tocante, mas ao mesmo tempo chocante, ver e ouvir Pinotes invocar a figura de Francisco, o homem que denunciou o consumismo, enquanto o PS gere orçamentos camarários com a delicadeza de quem distribui brindes num comício. O mesmo Papa que apelava à humildade, citado por um político que há muito esqueceu o que é escutar sem preparar logo a resposta em tom messiânico.
O mais enternecedor, no entanto, foi a subtileza com que transformou o Papa numa espécie de mascote espiritual do seu próprio discurso político. Como se a santidade do Pontífice servisse de verniz para esconder a pobreza de ideias, ou pior, o conforto moral em que se instalou uma geração de políticos que, entre um voto de pesar e uma moção insossa, vão garantindo lugar na procissão dos cargos públicos.
Que ninguém se engane, porque Pinotes Batista não citou Francisco, usou-o, como se usa uma citação de Mandela, uma frase de Saramago ou um verso de Sophia, para dar profundidade a um poço sem água. No fundo, não homenageou o Papa, canonizou-se a si próprio.