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Barrabás - o Barba Azul

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O Ministério Público, ou o Público Mistério Kafkiano?

Barba Azul, 18.04.25

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O Público Mistério Kafkiano...

Essa entidade quase mística que paira sobre a república como uma espécie de oráculo jurídico. Dizem que defende a legalidade, os direitos dos cidadãos, a moralidade administrativa, mas só às vezes. Ou melhor, só quando calha, ou quando não incomoda demais quem realmente importa.

É curioso como o Ministério Público aparece com uma fúria implacável quando se trata de julgar os pequenos. Já os grandes, os intocáveis, vivem no enredo do Público Mistério. Há sempre uma investigação em curso, um relatório em sigilo, um arquivamento discreto. É quase um thriller jurídico, com suspense e tudo o mais, mas sem final à vista.


E os paladinos de toga? Ah, esses! Vivem entre entrevistas e holofotes, denunciando como se fossem protagonistas de uma qualquer novela, e depois, apenas sobra o silêncio.
Absolvição por falta de provas, claro, afinal, o processo é o castigo, e a manchete jornalística, a verdadeira sentença.

Hipocrisia? Jamais! Eles são técnicos, imparciais, quase santos. Só não gostam muito de ser investigados, nem de transparência, nem de controle externo, mas quem se atrever a sugerir isso, será imediatamente acusado de atacar as instituições, esse novo pecado capital da política contemporânea.

Num país onde a realidade frequentemente se ajoelha perante a caricatura, o Ministério Público ergue-se como uma esfinge, de toga, impassível, inquestionável e envolta na névoa espessa de sua própria pureza. Seria esta instituição a guardiã austera da justiça, ou uma engrenagem kafkiana com delírios de omnipotência? A resposta, como sempre, está selada em segredo de justiça.

De facto, o Ministério Público não é apenas uma instituição, é um estado de espírito, um espírito inquisidor que paira sobre a democracia como um anjo vingador, mas que opera com o zelo de um ser divino criador do mundo e caprichoso. A sua autonomia é celebrada como se de uma virtude suprema se tratasse, o seu poder é revestido de nobreza sacrossanta, e as suas falhas, bem, as suas falhas são sempre dentro da legalidade. Afinal, quem vigia os vigilantes? Eles próprios, naturalmente.

Inspirado nas melhores tradições do absurdo, o Ministério Público transformou-se numa espécie de labirinto burocrático onde a verdade é uma variável interpretativa, o tempo é uma conveniência processual e a justiça, um projecto a longo prazo. Há investigações que duram décadas, denúncias que explodem em manchetes para depois murcharem em silêncios administrativos, e suspeitos, que apodrecem no limbo sem culpa formada, apenas porque estão a ser investigados.

E o povo? Ah, o povo! Esse acredita piamente na infalibilidade dos seus procuradores, como se fossem sacerdotes de uma ordem superior, onde não se pode questionar, mas apenas venerar. Qualquer tentativa de escrutínio é prontamente rotulada de ataque às instituições, um pecado mais grave do que a própria corrupção que juram combater.

Nos corredores sombrios do Ministério Público, a transparência é uma ameaça e o contraditório, um detalhe irritante. Juízos de valor substituem provas, insinuações ganham estatuto de factos e, quando as coisas correm mal, o erro é sempre sistémico, nunca pessoal. E claro, ninguém responde por nada, tal como num romance de Kafka, a culpa dissolve-se no ar, vaga e sem rosto.

Com rédea solta, o Ministério Público transformou-se num actor político que nunca vai a votos, mas que influencia eleições, destrói reputações e dita os ritmos da nação com a delicadeza de um sismo. É um poder sem rosto, sem freios e com uma legitimidade que se alimenta da sua própria mitologia.

E assim, vamos vivendo nesta tragicomédia institucional, onde o Ministério Público é simultaneamente herói, juiz e narrador, um monstro burocrático coberto de glória, mas incapaz de ver o abismo ético em que mergulha, pois há muito que perdeu o norte no labirinto do seu próprio protagonismo.

Dir-se-ia que há uma espécie de simbiose sórdida entre os Procuradores e a instabilidade governativa. Quanto mais instável o país, mais forte o prestígio do Ministério Público, e quanto mais frágeis os governos, mais respeitável parecem os senhores da toga. É um casamento de conveniência, em que a crise é o dote, e a justiça, um espectáculo de marionetas.

No fundo, talvez não os devêssemos chamar procuradores gerais da república, talvez coreógrafos do colapso, curadores do caos, ou simplesmente directores artísticos da instabilidade democrática. Porque, convenhamos, sem eles, a política portuguesa seria apenas aborrecida, e isso, meus amigos, seria um verdadeiro escândalo.

Em Portugal há uma tradição, segundo a qual, cada novo Procurador Geral da República não assume apenas o cargo, assume o papel de oráculo jurídico, estrela de bastidores e, claro, maestro da disfunção institucional. Ao longo dos anos, os nossos PGRs, têm sido verdadeiros artistas do suspense, especialistas em timing político e magos da omissão selectiva. Uns mais discretos, outros mais pirotécnicos, mas todos com um talento comum, a habilidade de fingir neutralidade enquanto o país se desfaz em cinzas.

Comecemos por Joana Marques Vidal, a paladina da justiça moral, que elevou o Ministério Público à condição de santidade pública. Foi durante o seu reinado que a ideia de que estar sob investigação, se tornou um novo estatuto social, quase um selo de qualidade republicana. Graças a ela, os telejornais fazem furor, com constantes episódios diários de CSI em São Bento. E convenhamos, se não fossem as suas discretíssimas investigações bombásticas, quantos episódios de remodelações ministeriais teríamos perdido?

Depois veio Lucília Gago, a esfinge. Com a sua voz monocórdica e o olhar que podia derreter ligaduras de processo, Lucília trouxe uma elegância glacial à arte da instabilidade. O seu mandato é um hino à gestão de tempo político, acusações quando o Governo parece forte demais, arquivamentos quando o baralho ameaça ruir todo de uma vez. Lucília não investigava, ela era a autora da coreografia. Era a bailarina silenciosa no palco da governabilidade, que com um gesto subtil do dedo indicador, enviava ondas sísmicas para os corredores do poder.

O actual Procurador Geral da República, figura discreta como um fantasma de toga e, ao mesmo tempo, omnipresente como um eco que sussurra nos corredores do poder, não aparece, mas está lá, não fala, mas insinua. Não manda prender ninguém, apenas deixa escorregar uma fuga de informação aqui, um relatório em segredo de justiça acolá. É uma espécie de Casper institucional, só que com menos simpatia e mais consequências políticas.

Mas talvez o mais fascinante destes procuradores seja a sua devoção à autonomia do Ministério Público, uma autonomia tão preciosa, mas tão selectiva, que funciona como um escudo mágico contra qualquer forma de responsabilização. Aliás, os nossos PGRs, são grandes defensores do Estado de Direito, desde que não lhes perguntem onde o direito acaba e o espectáculo mediático começa.

No fim destas novelas dramáticas para o país, algo de deliciosamente irónico acontece. À medida que os governos vão tombando como peças de dominó, os PGRs mantêm-se firmes, imóveis, imortais, como bustos de mármore institucional. Nunca se enganam, nunca perdem o timing, e, claro, nunca interferem na política, apenas a moldam e tornam impossível.

Enfim, o Ministério Público é o guardião da moral, desde que essa moral não passe perto dos bastidores onde se decidem as verdadeiras prioridades nacionais. A nós, resta assistir ao espetáculo, indignados, fascinados e sempre no escuro, porque no Público Mistério Kafkiano, que criámos, o povo nunca é protagonista, pois não passa de um simples figurante.
Mas não nos preocupemos, porque vos garanto, está tudo dentro da legalidade!.....

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