Mobilidade Verde e Outras Fantasias
Crónicas Barreirenses
O Barreiro prepara-se para comprar 40 autocarros eléctricos. Quarenta! Uma revolução sobre rodas, mas também um daqueles investimentos em que o entusiasmo político e a realidade técnica seguem em vias paralelas, e nunca se encontram.
Diz-se por aí, com ar grave e sobrancelha franzida, que os autocarros eléctricos são o futuro. Silenciosos, limpinhos, amigos do ambiente e com aquele ar futurista de ficção científica barata. Substituem os vetustos autocarros a gasóleo e outros a gás, esses velhos malcheirosos que ousavam ter autonomia e funcionavam mesmo quando chovia.
Mas vejamos a magia desta transição. Primeiro, despejam-se milhões em autocarros, que precisam de carregar durante horas para fazer menos quilómetros que um Fiat Panda de 1995. Depois, instalam-se postos de carregamento, e quando os postos falham, porque claro que falham, voltamos aos bons velhos tempos, autocarros parados, utentes atrasados e motoristas a jogar sudoku no terminal.
A comparação com os autocarros a gasóleo e a gás é deliciosa. Sim, eram barulhentos, fediam a brunch de petróleo com cebola, mas andavam. Não havia drama com a autonomia, não era preciso rezar para que o carregador não estivesse com problemas, e o gás não vinha embalado em promessas de neutralidade carbónica "made in China".
Ah, e o negócio! O negócio dos eléctricos é mesmo o melhor, adjudicações directas a fornecedores visionários, relatórios cheios de palavras como sustentabilidade, inovação, resiliência e outras patranhas com prazo de validade até às próximas eleições. O eléctrico não é só um veículo, é um altar ambulante ao deus do greenwashing.
E se por acaso alguém pergunta pelos custos de manutenção, pelas baterias tóxicas, pela origem do lítio ou pelo impacto ambiental da produção? Silêncio. Sorrisos. PowerPoint. E mais uma nota de rodapé a pedir fundos europeus para salvar o planeta com um autocarro que não arranca em subidas
O futuro da mobilidade verde chegou ao Barreiro, sim, senhor presidente, mas sobre o pesadelo do endividamento, não sei para quantas gerações, decidido nos bastidores milionários dos postos de carregamento, da manutenção e dos handicaps operacionais que os autarcas fazem de conta que não existem.
Passamos dos fumos do diesel para os silêncios da electricidade. Foi um salto civilizacional, dizem eles. Um salto, com um custo tão silencioso quanto os próprios autocarros.
Porque ninguém fala do pequeno pormenor do posto de carregamento. Não, não é só espetar uma ficha numa tomada de parede da garagem do sr. Américo. É preciso construir toda uma infraestrutura, subestação eléctrica dedicada, cablagens subterrâneas dignas do Star Trek, sistemas de gestão inteligente da carga, que raramente são inteligentes, e um software de monitorização que custa mais do que o autocarro.
E claro, tudo isso não é vendido por empresas locais, mas por consórcios internacionais com logótipos verdes e preços em euros suíços. Uma simples tomada de 1000V com cabo refrigerado custa mais do que um T2 no Barreiro Velho. Mas é “verde”, portanto calem-se e paguem.
Agora vamos à manutenção. As baterias, que são o coração, e o rim do autocarro eléctrico, precisam de ser substituídas a cada X mil quilómetros, dependendo do uso, do clima e do alinhamento dos planetas. Cada substituição pode custar tanto quanto um autocarro novo a gás. E como se isso não bastasse, os técnicos que sabem mexer nesses sistemas são mais raros do que funcionários públicos em horário completo e terão de ser obtidos por contratação externa.
Falemos também dos handicaps do funcionamento, expressão suave para desastres operacionais diários. O autocarro precisa de horas para carregar e tem menos autonomia do que o carro do Presidente da Junta. Em dias de muito frio ou muito calor, a autonomia vai-se com o ar condicionado. Como resultado, lá voltaremos a carreiras que ficam sem serviço ou são substituídas por autocarros a diesel e a gás. A isto chama-se a cereja orgânica em cima do bolo ecológico.
E quando há falha de energia, blackout ou avaria no posto de carregamento? Nada se move, a frota pode ficar a fazer jejum eléctrico enquanto a população espera nas paragens ao frio. A solução? Taxis. Carros. Carrinhas. Tudo menos o tão amado transporte público descarbonizado.
Mas vamos com calma, o Barreiro ainda não comprou os autocarros eléctricos, é verdade, ainda está no forno, a cozer em lume brando.
Vêm aí milhões em investimentos “estratégicos”, “estruturantes” e “ambientalmente transformadores”. Traduzindo, por miúdos, vão comprar autocarros eléctricos e a cidade vai entrar oficialmente no clube dos municípios que confundem marketing com mobilidade.
Segundo os bastidores técnicos, a ideia é adquirir cerca de 30 a 40 unidades eléctricas, com carregamento noturno e eventual sistema de carga rápida para reforço nas pontas do dia. Parece bonito, aliciante, prometedor, mas vamos aos números.
Cada autocarro eléctrico pode custar entre 450 mil a 600 mil euros. Vamos fazer a média, pelos 500 mil. Para 40 unidades, estamos a falar de 20 milhões de euros, só em veículos.
Mas o melhor vem depois, porque as indispensáveis unidades de alimentação eléctrica, ou seja, os postos de carregamento, não são tomadas do IKEA.
Uma frota deste tamanho exige um sistema de carregamento robusto, seguro e não improvisado com extensões chinesas.
Uma Subestação elétrica dedicada, para alimentar em simultâneo dezenas de autocarros em carregamento noturno e possibilitar carga rápida em rotas críticas.
Custo estimado, de 1,5 a 2 milhões de euros.
Obras de adaptação da central de recolha, garagem municipal dos TCB. Escavações, reforço de solo, canalizações elétricas de alta tensão, segurança contra incêndios, já que as baterias de lítio adoram explodir.
Custo estimado, 2 milhões de euros.
Postos de carregamento, pelo menos 30 unidades de carga normal (AC), cerca de 30 mil euros cada = 900 mil de euros.
Adicionalmente, 10 a 15 carregadores rápidos (DC), para uso de emergência ou rotatividade mais intensiva, 60 mil euros cada = 900 mil euros.
Sistema de gestão de frota e carregamento, Software de monitorização, optimização de carga, controle térmico, integração com horários e gestão de consumo em tempo real.
Custo estimado, 400 mil a 600 mil euros.
Total estimado da infraestrutura
Subestação: 1,75 M€
Obras e adaptações: 2 M€
Carregadores (AC + DC): 1,8 M€
Gestão e monitorização: 0,5 M€
Total estimado, só para infraestruturas, entre 6 e 7 milhões de euros.
Manutenção e operação, não incluída nem orçamentada, mas real e volumosa.
Substituição de baterias em 6 a 8 anos, 30 a 40 mil euros por unidade, potencial de 2 a 2,4 milhões de euros adicionais.
Técnicos especializados, formação de motoristas, adaptações de linhas com autonomia limitada. Isto, para não falar da dispensa de pessoal excedentário que não se adapta à nova tecnologia. Mais custos com indemnizações e Segurança Social.
Impacto diário se um carregador falhar, carreira suprimida, população irritada, autocarro parado como escultura moderna.
Em conclusão, serão necessários cerca de 30 milhões de euros, no mínimo, para pôr os 40 autocarros eléctricos a andar no sistema de mobilidade do concelho. E ainda estamos a fazer fé que a E-Redes consiga reforçar a rede local sem pedir para desligar o Cristo-Rei.
Segundo informações fornecidas em Assembleia Municipal, a Vereadora com competência delegada, Maria João Regalo, afirmou e apresentou uma proposta para aprovação, de um empréstimo com 3 anos de carência, no valor de 17.000.000€.
Face aos custos aqui demonstrados, nas suas diversas parcelas complementares, mesmo com o valor atribuído pelo PRR, nem para a compra dos autocarros chega.
E o resto, de onde vem o dinheiro?
Estando ainda a ser pago o valor da compra dos autocarros a gás, adquiridos ainda pelo executivo da CDU, é com preocupação que constatamos a hipoteca de investimento para a próxima ou próximas décadas, mesmo desconhecendo-se a real capacidade financeira da autarquia.
E tudo isto, claro, apresentado como investimento “visionário”. O povo que fique à espera do autocarro debaixo de chuva, porque enquanto se instala a subestação no Lavradio, os elétricos devem vir, mas à boleia de um qualquer camião de reboque.
Claro que tudo isto será justificado com candidaturas a fundos europeus, mobilidade verde e redução de emissões. Mas quando começarem os atrasos, as falhas de carregamento, e os custos de substituição das baterias, que começam a cair para metade da capacidade em apenas 5 a 6 anos, alguém vai lembrar-se com saudade dos velhos autocarros a gasóleo e a gás.
E para quem acha que isto é só um exagero, que ligue para Setúbal, Almada ou Loures e pergunte como correu a transição eléctrica. Há operadores a operar com autocarros a gasóleo, porque os elétricos não carregam a tempo, e têm pouca autonomia.
Em Loures, a Carris Metropolitana adjudicou uma série de autocarros eléctricos à CaetanoBus, com um contrato de milhões. Nada contra, a não ser o detalhe de que, por vezes, os veículos têm autonomia inferior a 150 km em condições reais. Portanto, os autocarros saem da central da Bobadela para fazer carreiras em Bucelas, e a regressar de reboque.
Já em Setúbal, a Alsa Todi, uma das operadoras espanholas que venceu os concursos da Carris Metropolitana, recebeu a sua frota eléctrica com pompa e circunstância. E sim, são bonitos, mas os carregadores da garagem só conseguiam alimentar metade da frota por noite. Como resultado, rotação de veículos, cancelamentos de horários e, claro, passageiros sem transporte.
A cereja no topo do bolo, o contrato milionário com a ABB para instalar super carregadores nas principais estações da AML. Valor? Cerca de 5 milhões de euros, só para garantir que os autocarros possam carregar em meia hora. Só que, a maioria das estações não tem capacidade de rede elétrica compatível. Ou seja, carregadores instalados, mas desligados. Uma espécie de escultura pública tecnológica.
E Lisboa? A Carris, pioneira no greenwashing institucional, lançou uma campanha para anunciar a sua "revolução eléctrica", mas os bastidores revelam outra história. As baterias de vários autocarros BYD adquiridos em 2019 começaram a perder capacidade já em 2023, e cada substituição ronda os 40 mil euros por veículo. Ninguém assume o erro. Afinal, a culpa é do clima, das subidas, ou do ascendente Marte sobre Sagitário.
Tudo isto seria cómico se não fosse pago com dinheiro público. Cada autarca quer a fotografia junto ao veículo eléctrico como se fosse uma selfie com Greta Thunberg. Mas quem fica sem transporte é o povo, sobretudo nas zonas periféricas onde o “transporte sustentável” se resume a esperar 45 minutos por um autocarro que nunca carregou a tempo.
Mas pronto, estamos a salvar o planeta. Desde que não se vá para o trabalho às 7 da manhã, nem se more, em Coina, Palhais, Penalva, Santo António da Charneca, ou no Alto do Seixalinho.
No Barreiro, o filme será igual, mas com sotaque local. Só falta escolher a rotunda onde se fará a fotografia de inauguração com o autocarro estacionado e o cabo de carregamento, desligado.
E no fim, a habitual cena do presidente da câmara a posar sorridente para a fotografia, ao lado do novo autocarro com painéis solares na pintura. O povo aplaude, afinal, é tudo para salvar o planeta, e os cidadãos que se lixem, enquanto isso, o velho autocarro a gasóleo ou gás, manchados e malcheirosos, olham de longe, e, como o presidente na inauguração, sorrirá também.