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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

Ana Gomes, a Dama da Virtude Reciclada

Barba Azul, 14.04.25

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Num país de brandos costumes e escândalos de ocasião, onde a memória é curta e a moral uma moeda de câmbio, ergue-se imponente, reluzente, enfim, esplendorosa, a figura de Ana Gomes, não como uma simples cidadã, mas como sacerdotisa do templo da Virtude, vestida não de branco, mas de um vermelho socialista convenientemente desbotado pelo tempo.

Foi uma diplomata, o que em Portugal significa que passou anos a explicar a estrangeiros porque razão o país existe. Depois, eurodeputada, onde aprendeu a arte da indignação em várias línguas, e por fim, qual Fénix indignada, renasceu nos estúdios da televisão para se tornar a consciência moral da nação, uma espécie de Cassandra lusitana, mas sem o incómodo de estar certa desde o início.

Denuncia banqueiros, ataca a promiscuidade entre política e negócios, mas esteve sentada na mesma mesa de muitos deles. Clama por justiça, mas só quando os alvos lhe convêm, porque para Ana Gomes, coerência é opcional, o essencial é a pose, a narrativa, o espectáculo.


A sua cruzada contra a corrupção é sempre externa, porque o problema são os outros, nunca os ambientes de onde veio, as redes em que se moveu, ou os silêncios que guardou enquanto era diplomata de topo, eurodeputada ou figura de referência do aparelho socialista.

Ana fala, e os microfones inclinam-se. Ela não comenta, profetiza. Cada frase é uma verborreia de princípios, cada suspiro um manifesto. Denuncia os donos disto tudo com a veemência de quem almoçou com todos eles e não gostou da sobremesa. Acusa os seus antigos camaradas com a mesma segurança com que um ilusionista revela o truque, depois de ter cobrado o bilhete.

Diz-se fora do sistema, mas carrega-o e corre-lhe nas veias. Critica o carreirismo político, como se nunca tivesse colecionado cargos, missões, medalhas e mordomias. Clama pela justiça como quem só descobriu a injustiça quando perdeu o convite para os jantares da fundação. E quando exige ética, fá-lo como quem vende água benta engarrafada no Largo do Rato.

A sua cruzada anticorrupção é, na verdade, um teatro de sombras, acusa sem provas, insinua com gosto duvidoso, e recua com classe quando confrontada. Nada lhe escapa, excepto a modéstia, o autoexame, e a memória selectiva, como convém.

Mas Ana Gomes não é hipócrita por maldade, mas sim por hábito, porque durante anos a verdade foi protocolar, a justiça, diplomática, e o silêncio, uma virtude funcional. Agora, liberta da gramática do poder, fala demais sobre tudo. Fala sempre, fala até do que ignora, o que, convenhamos, dá para várias temporadas.

Mais do que uma comentadora, Ana Gomes tornou-se uma alegoria perfeita da hipocrisia política. Acusa com fervor messiânico, mas nunca se interroga, exige reformas, mas nunca assume responsabilidades, prega ética como quem vende indulgências, sem nunca descer do pedestal que ela própria construiu com os tijolos do sistema que diz querer destruir.

Em suma, Ana Gomes é uma dessas figuras raras da política portuguesa que conseguem, com inabalável confiança, dar lições de moral ao país inteiro, enquanto tropeçam no próprio ego.
Instituiu-se como o oráculo do regime reformado, uma heroína reciclável, feita do mesmo barro que critica, mas com o verniz ético de superfície e um dom muito especial para dramatizar a decadência alheia, como se a sua fosse apenas um detalhe biográfico.

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