A Ostra Fantasma do Tejo
Um Conto de Promessas com Casca Rija
Olha, lá está ele outra vez a falar mal de alguém, dizem uns, não deve ter mais nada que fazer, dizem outros.
Talvez, tenham razão, mas caros amigos, o que me resta fazer quando o silêncio se torna cumplicidade e a indiferença um voto a favor?
Se criticar é tudo o que me resta para não adormecer a consciência, então deixem-me falar, mesmo que doa, mesmo que incomode, porque às vezes, o que parece maledicência é só o último grito de quem ainda não desistiu de se importar.
Depois desta introdução, e esclarecimentos devidos a quem se dá ao trabalho de ler as palavras que escrevo, vamos avivar, mais uma vez, algo que, tal como outras promessas, passaram e ficaram nas catacumbas do esquecimento da política.
A BIVALOR, soa a futuro, a inovação, a sustentabilidade, ou mais um nome com ares de start-up escandinava, mas com alma de promessa portuguesa, ruidosa no anúncio, silenciosa na execução.
Corria o ano de 2019, Rui Braga, então com o microfone na mão e o Tejo à retaguarda, prometia aos céus e à imprensa uma revolução molluscular.
Apresentaram-nos a Unidade de Depósito, Transformação e Valorização de Bivalves do Estuário do Tejo, um monumento à modernidade, erguido sobre berbigões, amêijoas e sonhos húmidos de conchas recicladas.
Com um investimento de 2,36 milhões de euros, anunciado como quem abre um templo do sushi em plena maré vazia, o futuro, diziam eles, o Barreiro, finalmente no mapa dos moluscos.
Mas eis que, como bom prato de marisco servido em restaurante de beira de estrada, a BIVALOR veio com areia, muita areia, areia talvez demais para as cabeças de alguns visionários de algibeira.
No primeiro episódio, problemas nas fundações, dizia-se, talvez as conchas não sustentassem sonhos de betão.
Em 2021, para não perder a tradição da segunda ronda de promessas, o Governo garantiu, "Agora é que é! Em agosto começa a obra!", uma frase tão repetida no Portugal profundo que podia constar no hino nacional.
Chegámos a 2025, e o Tejo continua lá, as amêijoas continuam a ser apanhadas em condições sanitárias dignas de um documentário distópico.
E a BIVALOR, bem, a BIVALOR permanece onde sempre esteve, na nebulosa confortável das intenções, entre o PowerPoint de 2019 e os comunicados de imprensa que nunca envelhecem porque nunca se concretizam.
E o investimento, o investimento agora, já vai nos 2,5 milhões, o milagre da inflação ou da fé, agora que Habemus Papa, e terminou a vacatura no Vaticano.
A página da Câmara Municipal do Barreiro sobre o tema, é um túmulo digital, o IPMA, mais ocupado em prever tempestades do que em esclarecer onde está a fábrica dos bivalves fantasmas, os responsáveis, em campanha, de férias ou promovidos, e o projeto, se calhar enterrado sob as fundações que nunca existiram.
Não há casca que aguente, este era o projeto que ia salvar os mariscadores, dizia Rui Braga, dinamizar a economia local, dar uma nova vida às conchas. No fim, nem cascas nem vida, só mais uma promessa que virou maré morta, ou talvez apareça, um dia, quem sabe, num qualquer cartaz da Cidade do Cinema.
Mas não desesperem, talvez em 2029, com novo figurino e novo nome, quiçá "BIVAPROMESSA 2.0", um outro Rui Braga apareça, como cabeça de cartaz, e se lembre de cortar mais uma fita num terreno baldio.
Com sorte, talvez tenhamos um novo ministro da tutela, obcecado por petiscos na frente ribeirinha, haverá berbigões congelados no catering, e tudo parecerá outra vez... fresco.