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Barrabás - o Barba Azul

Barrabás - o Barba Azul

Emanuel Fazbulha, o Futuro Radiante da Mediocridade

Barba Azul, 30.04.25

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Há nomes que marcam uma geração. Mandela, Kennedy, Churchill e, entre nós, Emanuel Fazbulha, mais um prodígio do nosso tempo, moldado a rigor na mais fina escola de formação política, a afamada e bem conhecida Fábrica Nacional de Boys e Girls, vulgarmente conhecida como Juventude Socialista, ou Universidade do Tacho, com mestrado em Aparelhismo.

Fazbulha, que aos 17 anos já sonhava em ser vereador de qualquer coisa, nem ele sabia bem o quê, desde que desse cartão de visita, trilhou o caminho exemplar dos grandes estadistas com origem na mesma escola.
Sessões de moções vazias, jantares de networking com presidentes de secção e aquela irresistível capacidade de nunca dizer nada que possa ser verdadeiramente comprometedor, mais um talento nato, para abanar com a cabeça.

Hoje, Fazbulha é apontado, com a mesma seriedade com que se aponta um saco de lixo, como o futuro da política nacional. Um futuro, diga-se, risonho para quem gosta de regimes ocos, onde o importante não é ter ideias, mas sim colecionar cargos, comissões e fotografias ao lado de presidentes de Câmara com ar de frete.

Mas não sejamos injustos, Emanuel é fruto de um sistema que recompensa a perseverança no jogo do faz-de-conta. É preciso coragem para aguentar anos a fio em reuniões de concelhia onde se debate com fervor a melhor cor para as t-shirts da campanha. É preciso uma fibra especial para sobreviver à selva de intrigas da secção jovem, onde a traição se pratica com a leveza de quem troca cromos da bola.

Enquanto o país real trabalha, estuda, ou emigra, Fazbulha avança, como um verdadeiro self made man, patrocinado pelo erário público, com uma folha de serviços impressionante, se não, vejamos. Organização de almoços-comícios, posts no Instagram a enaltecer as conquistas do governo socialista e intervenções entusiasmadas sobre a importância do empreendedorismo, sempre debaixo do chapéu protetor de um qualquer deputado que lhe garanta a carreira.

É esta a nova esperança, Emanuel Fazbulha, o milagreiro local, com aspirações de adulto precoce da política instantânea, que acredita piamente que governar é uma extensão natural de fazer parte da máquina certa. Um fenómeno de eficiência, não lhe conhecemos ideias, não lhe registamos projetos, mas tem já garantida a admiração dos seus pares, todos eles, claro, também enfiados até ao pescoço na mesma rede de favores, cunhas e salamaleques.

A democracia portuguesa, cada vez mais esburacada de credibilidade, agradece, afinal, não é todos os dias que se encontra alguém tão genuinamente dedicado à arte de ocupar espaço sem dizer nada, de ocupar lugares sem mudar nada, de ocupar o futuro sem sonhar com nada, a não ser o seu lugarzinho nas listas, sejam elas quais forem.

Emanuel Fazbulha é o nosso aviso, o alerta encarnado de como a política, sequestrada por estas fábricas de boys & girls, se transforma num teatro de sombras, onde o talento verdadeiro é visto como uma ameaça e a mediocridade bem alinhada é premiada com cargos, assessorias e, se tudo correr bem, uma secretaria de Estado, aos 30 anos, para poder falhar com mais orçamento e mais assessores.

Por isso, ergamos uma salva de palmas ao jovem Fazbulha. Ele é tudo o que a política não devia ser, e, por isso mesmo, o retrato mais fiel do que ela infelizmente se está a tornar.

Pedro Nuno Santos

Iluminando a Nação com Palavras Vazias

Barba Azul, 29.04.25

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No dia 28 de Abril de 2025, quando boa parte da Europa mergulhava num apagão elétrico sem precedentes, Portugal teve o privilégio de ser agraciado com a mais brilhante das centelhas, as declarações de Pedro Nuno Santos. Num momento em que se apagavam as luzes, acendeu-se a retórica, aquela velha vela do político moderno, que ilumina tudo sem aquecer nada.

Pedro Nuno, numa comovente demonstração de liderança de bastidor, apareceu perante as câmaras com a pose ensaiada de um estadista de telefilme de domingo à tarde. Olhos semicerrados, tom grave, gravata patriótica. Lamentou profundamente o inconveniente vivido por milhares de portugueses, como se estivesse a falar de um atraso no metro e não do colapso simultâneo de infraestruturas críticas. Disse estar em contacto com os parceiros europeus, o que todos sabemos significar que alguém da assessoria está a seguir o hashtag no X.

Fez questão de garantir que o país respondeu com resiliência, embora a definição de resiliência, segundo a nova gramática socialista, seja aparentemente sinónimo de ficar quieto no escuro até passar. Afirmou ainda que o governo está a apurar responsabilidades, o que é curioso, pois são normalmente apuradas para dar em nada, como quem peneira areia à procura de diamantes e só encontra mais areia.

Mas o momento alto, ou talvez mais baixo, foi quando Pedro Nuno Santos disse que esta crise demonstra a necessidade de reforçar a nossa soberania energética. E disse-o como quem acabou de inventar o conceito, esquecendo convenientemente os anos em que o seu próprio partido vendeu a rede elétrica, desmantelou refinarias e transformou a independência energética em dependência fotovoltaica dependente do sol, que, nesse dia, ironicamente, também não apareceu.

Foi um momento de rara coerência, o apagão energético foi acompanhado de um apagão de ideias, de responsabilidade e de vergonha.

Pedro Nuno, qual farol apagado num mar de desorientação, manteve-se firme no seu papel, o de parecer que lidera alguma coisa, enquanto lidera o parecer.

Pedro Nuno Santos, como tantos outros artistas do palco político português, sempre viveu na confortável ilusão de que o futuro é apenas uma abstração conveniente, um problema para o próximo ministro, para o próximo ciclo, para o próximo apagão. Enquanto esteve no Ministério das Infraestruturas, preferiu os grandes anúncios aos pequenos detalhes, os powerpoints aos planos de contingência, os discursos inflamados às infraestruturas resilientes.

Pensar em falhas sistémicas era antipatriótico, preparar o país para uma crise energética era pessimista, prever vulnerabilidades era coisa de tecnocrata sem visão política.
Mas acontece que Pedro Nuno sempre foi mais performer do que engenheiro, mais estratega de imagem do que gestor de sistemas críticos. A sua consciência, tal como a rede elétrica europeia naquele dia, teve uma queda abrupta, só que ele ainda não percebeu, nem quer perceber, que um jogador quando entra em jogo, precisa, acima de tudo, ser coerente e reconhecer que, precisa ser mais humilde, e deixar de sacudir a água do capote.

Politicamente, as declarações de Pedro Nuno Santos funcionaram como um espelho fosco, não mostram nada, mas servem para fingir que ainda há reflexo. Ao surgir como figura responsável e visionária no meio do caos, tenta reescrever a narrativa, como se não tivesse tido anos para preparar o país, como se o apagão tivesse caído do céu como um raio divino e não como consequência previsível de redes frágeis, decisões negligentes e uma estratégia energética feita a régua e esquadro de Bruxelas, sem margem para realidades locais, com a sua anuência e do seu chefe António Costa.

No entanto, lá estava ele, a falar de lições a tirar, expressão favorita de quem falhou, mas prefere capitalizar o erro como se fosse uma oportunidade.

Mostra-nos um verdadeiro mestre da arte circense, fazendo o pino com duas piruetas à retaguarda, não explicando nada, não assumindo nada, e não resolvendo nada, mas falou, e em Portugal, às vezes, isso basta para demonstrar competência e acção, quando afinal o resultado dessa (in)competência, é sinónimo de irresponsabilidade.

O Banqueiro de Ouro: Mário Centeno e a Economia da Humilhação

Barba Azul, 28.04.25

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Mário Centeno é, dizem-nos, uma história de sucesso, um self made man, um exemplo de como o génio individual, quando temperado por uma humildade artificialmente desajeitada e um sorriso de professor de Excel, pode ascender acima da turba ingrata que se esfarrapa entre salários mínimos, hipotecas e filas para consultas no SNS.

Centeno, o menino bonito da troika domesticada, licenciado, doutorado, bajulado, o eterno aluno que nunca precisou de trabalhar como caixa do Pingo Doce, nem de explicar a um call center da NOS que não pediu mais um pacote de Sport TV. Enquanto os cidadãos comuns acumulavam contratos a prazo e recibos verdes, Centeno saltitava entre as confortáveis bolhas académicas e almofadas douradas da função pública.

Foi nomeado Ministro das Finanças em 2015, mas na prática foi canonizado como São Mário da Consolidação Orçamental, padroeiro dos défices baixos e dos cortes silenciosos.

Vendido à populaça como o Ronaldo das Finanças, Centeno conseguiu aquilo que parecia impossível, arruinar a vida de milhares de portugueses, enquanto sorria e recebia prémios internacionais.

Foi uma verdadeira proeza, só comparável ao Milagre de Fátima, pois, enquanto o comum dos mortais via as prestações da casa subirem, os contratos de trabalho evaporarem-se e os serviços públicos entrarem em colapso, Centeno era aplaudido pelas boas práticas e serviços prestados, em Bruxelas.

Como se o que atrás se descreve, não bastasse, agora, sentado confortavelmente no topo da pirâmide do Banco de Portugal, embolsa 19.000€ por mês, mais de 200.000€ anuais, sem contar com carro oficial, motorista, cartão de crédito para "representação", subsídios vários e um seguro de saúde que o poupa às listas de espera do SNS que ajudou a estrangular.

Em 2015, quando Portugal ainda lambia as feridas de austeridades e PEC's, o salário do Governador do Banco de Portugal rondava os17.000€ mensais. Em 2020, já com Centeno no comando, este valor subiu para 19.000€, um crescimento de cerca de 12%. Durante o mesmo período, o salário médio nacional cresceu menos de 3%, enquanto a inflação engolia qualquer vestígio de progresso nos salários.

A cereja no topo do bolo foi o aumento orçamental da instituição que lidera, cujos custos com pessoal passaram de169 milhões de euros em 2018 para mais de 180 milhões em 2023.

E enquanto escrevo estas linhas, não poderia deixar de mencionar a triste realidade vivida por professores a percorrer centenas de quilómetros por salários de 1.100€ brutos, enfermeiros a abandonar o país por 1.200€ líquidos e trabalhadores de caixas de supermercado a sobreviver com 820€ mensais, valores tão miseráveis que até parecem piadas de mau gosto quando comparados com a realidade paralela de Mário Centeno.

Enquanto a esmagadora maioria dos portugueses conta trocos para pagar rendas que duplicaram em cinco anos, o Banco de Portugal continua a distribuir generosas remunerações a uma elite blindada à realidade. Segundo os Relatórios de Sustentabilidade, mais de 300 funcionários da instituição auferem salários acima dos 5.000€ mensais, num país onde cerca de 60% da população ativa não chega aos 1.000€ líquidos.

Mas claro, a narrativa oficial vende-nos o mito do salvador, Centeno, o homem que equilibrou contas, que devolveu rendimentos, que trouxe confiança.

Mas Confiança para quem? Para os mercados, para Bruxelas, para os bancos, para todos, menos para os cidadãos que viram carreiras congeladas, serviços degradados e sonhos hipotecados.
Já no tempo dos meus avós, havia um outro salvador, também ele das finanças, que se chamava Salazar.

Lembram-se das cativações brutais entre 2016 e 2020?

Das greves no sector da saúde por falta de condições?

Dos professores que perderam tempo de serviço?

Tudo sacrificado no altar do défice zero, o mesmo défice que lhe abriu as portas para a cadeira dourada onde agora se senta, intocável, inacessível, indiferente.

Entretanto, a inflação disparou para valores acima de 8% em 2022, os juros subiram em flecha, as famílias perderam as casas, e os recordes de emprego apregoados, apenas esconderam e disfarçaram uma triste precariedade crónica. Mas no mundo de Centeno, tudo permanece sereno, com o seu salário indexado à inflação, garantindo-lhe que, enquanto as famílias têm que escolher entre aquecer a casa ou pôr comida na mesa, o ordenado de Centeno foi engordando com a mesma tranquilidade com que o país definha.

Quem viveu com medo da carta do banco?

Quem esperou dois anos para uma cirurgia oftalmológica?

Quem se viu obrigado a emigrar para limpar quartos em Birmingham ou servir Uber Eats em Paris?

Certamente não foi o Menino de Ouro, que passou da cadeira ministerial para a presidência do Banco de Portugal como quem muda de camarote no Estádio da Luz. Tudo bem acolchoado, tudo bem remunerado, com um mandato longo o suficiente para que a crise seguinte rebente nas mãos de outro qualquer incauto.

E que dizer do presente?

O cidadão comum paga mais impostos do que nunca, vê os salários reais encolherem como t-shirts chinesas na primeira lavagem, enfrentando uma inflação que transforma carne de vaca num artigo de luxo e peixe fresco num troféu de domingo.

No entanto, Centeno continua a ser uma entidade etérea, acima do bem e do mal, recebendo palmadinhas nas costas e convites para painéis sobre "Boas Práticas de Governança Financeira". Um verdadeiro mestre da realidade paralela.

Centeno não é mais do que um símbolo de um sistema que remunera quem aperta o garrote em nome de "responsabilidade orçamental", enquanto condena milhões a sobreviver com salários de miséria, rendas absurdas e serviços públicos em ruínas.

Enquanto uns vivem entre rendas insuportáveis, consultas adiadas e a eterna ansiedade de perder o emprego, Mário Centeno paira, impoluto, intocável, irrepreensível, sobre o lamaçal que ajudou a criar.
Mário Centeno, não salvou o país, salvou-se a si mesmo, e deixou-nos a conta.

Se há justiça divina, ou está cega ou deve estar em greve.

Bruno Vitorino, o Empresário da Política

Barba Azul, 27.04.25

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Mais um fenómeno da política nacional que não deixa ninguém indiferente. Bruno Vitorino, que se instalou de armas e bagagens na política local do Barreiro ainda não tinha idade para votar, aproveitou uma distração dos velhos militantes do PSD para se encavalitar na Presidência da Concelhia local com os votos da Jota.

Tendo à mão a associação juvenil Geração 2000 e a Associação de Estudantes da Escola Secundária, encontrou os finaciamentos certos e os jovens crédulos necessários para conquistar a sua parte da política local. Os tempos de Cavaco Silva e as alvíssaras europeias dadas ao associativismo juvenil foram o terreno nos quais o empresário da Política Bruno Vitorino germinou as suas sementes.

Daí a chegar a Vereador e Presidente da Distrital foi um saltinho. Foi muleta da Câmara Comunista, e logo depois, da Socialista, e trocou lugares como quem troca cromos. Com olho para o negócio, posicionou a sua gente. Não houve Instituto, Hospital ou lugar da hierarquia camarária que tenha escapado às artes negociais deste comerciante político, messias da economia do lugar partidário, que, trazendo no currículo um lugar de maqueiro se identificou, em folhetos de propaganda como “Empresário”.

Tal como as senhoras da noite que não querem confessar a sua verdadeira profissão, o visionário do merchandising das nomeações públicas, intitulou-se empresário e saltou para o Parlamento. Agarrou-se à perna de Passos Coelho e acabou em Vice- Presidente do Partido. Um dia, estava destinado a ser Ministro, talvez sem pasta, provavelmente, com muita pasta. A fazer quilómetros de Palmela para Lisboa, como fazia em tempos para a Câmara do Barreiro, o sucesso comercial da aventura, estaria sempre garantido.

Caiu mal, porque caiu junto com Passos, e voltou à base, a vender câmaras de segurança para as ruas da cidade e a reclamar de cocós de cão, como se a isso se resumisse a vida autárquica e as preocupações dos Barreirenses. Anda agora, à procura de cromos para a troca, como bom mercador que é. Vindo do nada, tendo realizado nada, e passado uma vida politica de quase quarenta anos sem ter nada, mas absolutamente nada para mostrar, para além dos lugares que conseguiu para a sua gente, aí está ele de volta às bocas do mundo, ou...

… Pelo menos, à boca de outro inútil da política que nada deixa na memória para além de palavras sem conteúdo, Pinotes Batista, que parece querer dar um empurrão a este seu congénere, talvez por medo de vir a precisar de trocar alguns cromos com ele, ou já em antecipação de uma geringonça de centro que antevê, seguramente, funcionará melhor com alguém que já tem comprovados créditos comerciais junto de todas as forças políticas. Bruno Vitorino é eclético: negoceia com todos desde que o negócio seja bom.

Agora, entre câmaras, fruta podre e cocó, vai andar à procura de mais incautos que votem nos seus candidatos, e a respiração boca-a-boca que lhe foi dada nas celebrações do último 25 de Abril pelo próprio Presidente Socialista da Assembleia Municipal, foi suficiente para ressuscitar este Empresário do PPD. Estejam de olho nele, que ainda vai longe. Só lhe falta a benção de Montenegro para voltar às grandes lides. Como dizia o Zé Maria: fruta podre e cagalhão, Montenegro Superstar sempre à mão.

O grande visionário das comemorações do 25 de Abril de 2025.

Barba Azul, 27.04.25

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André Pinotes Batista, O grande visionário das comemorações do 25 de Abril de 2025.

Como sempre, não deixou em mãos alheias o protagonismo, quase doentio, e mais uma vez, foi a estrela de uma produção onde a hipocrisia e o cinismo brilharam mais do que qualquer tentativa de reflexão genuína sobre a liberdade e a democracia.

O discurso foi uma verdadeira obra-prima da retórica vazia, recheada de frases feitas e promessas de um futuro glorioso que ele, claro, estava "pronto para construir", mesmo que, no fundo, soubesse que o que realmente estava a fazer era fortalecer a sua própria imagem e a de um regime que parece cada vez mais distante dos princípios de Abril.

Falou de "liberdade", mas não esqueçamos que a sua versão de liberdade é aquela onde os interesses políticos e económicos de quem está no poder, ou perto dele, são sempre preservados. "Somos todos iguais", disse ele, como se as elites políticas e económicas do país vivessem na mesma realidade que os cidadãos comuns, lutando dia após dia com salários estagnados e um futuro cada vez mais incerto.

André Pinotes Batista, sempre pronto para fazer referência às grandes figuras da Revolução de Abril, aquelas que realmente deram a cara, o sangue e, em muitos casos, as vidas para que Portugal se libertasse das amarras de 48 anos de ditadura.

No entanto, é impossível ignorar a profundidade da contradição que ele manifesta ao tentar associar o seu nome ao dos verdadeiros heróis de Abril. As suas referências a essas figuras foram, na melhor das hipóteses, uma tentativa disfarçada de se apropriar de um legado que ele, em essência, trai.

O "legado de Abril", segundo ele, é algo que deve ser preservado. Curioso, não é? Falar de um legado de liberdade e justiça enquanto se mantém o status quo, onde os interesses dos poderosos estão incólumes e as reformas nunca chegam.

Falar de "justiça social" quando se está à frente de um sistema que perpetua a desigualdade e favorece os mesmos de sempre, como se ele fosse o novo messias da democracia, quando na realidade é mais um peão de uma máquina que vive do poder e das conveniências do momento. Ele não defende a liberdade, ele defende os seus próprios privilégios, e que melhor forma de fazê-lo do que tornar o 25 de Abril uma data festiva para o politicamente correto, onde a verdadeira luta dos cidadãos desaparece por entre discursos vazios e promessas que nunca serão cumpridas?

E a referência aos civis, àqueles que, do lado de fora das instituições militares, se uniram ao movimento, foi igualmente vergonhosa. Pinotes falou como se estivesse a fazer uma homenagem aos lutadores anónimos, mas a sua "homenagem" foi vazia de qualquer verdadeiro reconhecimento. Os civis de Abril estavam a lutar pela igualdade, pela justiça social e pelo fim das disparidades brutais que existiam entre os cidadãos. Mas, no fundo, o que Pinotes defende são essas mesmas desigualdades, travestidas de "liberdade", onde a opressão não é visível, mas está tão presente quanto antes.

Ao falar de figuras como Helder Madeira, Daniel Cabrita e Leal da Silva, o que Pinotes realmente fez foi tentar apagar a verdadeira memória da Revolução. Aquelas referências não passaram de uma tentativa de se colocar ao lado de gigantes, para capitalizar simpatias, quando ele próprio é um anão político, aninhado em privilégios e conchavos que traem tudo pelo que as pessoas realmente lutaram em Abril e no desenvolvimento de uma Cidade que amavam. O discurso dele não foi uma homenagem, foi um acto de oportunismo, uma tentativa patética de manipular o simbolismo de Abril para salvar a sua própria face.

Ele bem tenta arrogar-se como um delfim das memórias barreirenses, é vê-lo com uma desenvoltura quase artística, não fosse tão transparente na sua ambição e tão desajeitado na execução.
André Pinotes Batista bem tenta arrogar-se como o "delfim" das memórias barreirenses, o herdeiro natural de um património de luta e intervenção que não construiu, nem verdadeiramente compreende. No seu discurso, a apropriação simbólica das figuras como Hélder Madeira, Daniel Cabrita e Leal da Silva foi mais do que um ato de homenagem, foi uma tentativa torpe de revestir-se da respeitabilidade e grandeza que, na realidade, lhe escapam entre os dedos.

Com ares de apóstolo tardio da liberdade, Pinotes encenou a sua intervenção como se fosse ele o elo dourado entre as gerações que derrubaram a ditadura e o futuro promissor da democracia local. Cada nome citado, cada memória evocada, soou menos como um tributo sincero e mais como uma tentativa desesperada de se legitimar, de se entranhar nas entranhas da história barreirense pela força da retórica, já que pela força da ação nunca conseguiu nem conseguirá, pois falta-lhe humildade.

A presunção era tanta que, por momentos, parecia que estava a fazer o velório não dos outros, mas do seu próprio ego inflado, embalado ao som da água benta que ele próprio aspergia em gestos calculados, entre o sentimentalismo de ocasião e a pose teatral do "salvador do legado".

A verdade, crua e dolorosa para Pinotes, é que o Barreiro não esquece quem fez o quê e sabe distinguir entre aqueles que construíram com esforço e risco e aqueles que, como ele, tentam apenas decorar a sua própria carreira política com os louros alheios.

A cereja no topo do bolo foi a sua insustentável preocupação com a "coesão social", quando todos sabemos que a verdadeira coesão para ele é a manutenção do seu círculo fechado de apoio político e económico, que dá pelo nome de "caciquismo". Coesão, sim, mas com as "pessoas certas" ao lado, enquanto as outras continuam à margem, como sempre.

André Pinotes Batista não é um homem de Abril, ele é um homem do poder. O seu discurso foi um monólogo de desfaçatez, uma tentativa patética de mascarar a sua total desconexão com os verdadeiros valores de Abril, aqueles que ele já trocou pela conveniência do seu próprio interesse político. Um verdadeiro anjo, pavonizando-se com uma retórica vazia, onde a democracia, a liberdade e a justiça são apenas palavras soltas, usadas para enganar, manipular e manter a velha máquina política a funcionar, enquanto o povo continua a pagar o preço da sua indiferença.

No fundo, o discurso de André Pinotes Batista foi um belo exemplo do que significa transformar o 25 de Abril em algo completamente desvirtuado, uma data que deveria ser uma lembrança constante da luta pela liberdade e igualdade, mas que se tornou um palco perfeito para a auto-promoção de quem já pouco ou nada tem a ver com aqueles ideais.

Pedro Nuno Santos: Um Verdadeiro Mártir da Mobilidade Nacional

Barba Azul, 27.04.25

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Pedro Nuno Santos, conhecido pelo seu espírito combativo, pela sua paixão ferroviária e, agora, também pelo seu talento de ilusionista imobiliário, incansável obreiro da causa pública, demonstrou ao longo de uma década um talento absolutamente invejável, o de estar e não estar em Lisboa, conforme dava mais jeito ao bolso.

Especialistas garantem ser o primeiro milagre documentado de "bilocação remunerada" fora do Vaticano.

Pergunta que se impõe fazer neste momento, se Pedro Nuno tivesse um filho, será que o miúdo ia para a escola pública registado como residente em Marte, só para sacar um subsídio de deslocação interplanetário?

Dizem as más línguas, que caso seja primeiro-ministro, irá propor um Subsídio de deslocação que inclua deslocações espirituais e residências simbólicas, para deputados.

Mas vamos lá falar mesmo a sério. Entre 2005 e 2015, o país assistiu, sem saber, à epopeia silenciosa de um verdadeiro mártir da mobilidade política, Pedro Nuno Santos, que com um heroísmo só comparável às grandes tragédias gregas, aceitou o insuportável sacrifício de viver na Praça das Flores.

Sim, senhoras e senhores invejosos, enquanto a plebe se espreme no autocarro para atravessar meio distrito, Pedro, num gesto de altruísmo tocante, recolhia-se todas as noites ao seu humilde retiro na Rua Marcos Portugal, ali, a dois passos da Assembleia, para que o sofrimento fosse ainda mais visceral.

Em troca desse esforço sobre-humano, este soldado da moral pública arrecadava uns míseros 1.800 euros por mês em subsídios de deslocação. Um valor ridículo, considerando a dor de viver num dos bairros mais charmosos, acolhedores e cobiçados de Lisboa. Só quem nunca tentou atravessar a Praça das Flores a chorar pelo sofrimento das classes médias é que pode julgar.

203 mil euros ao longo de 10 anos? Uma ninharia! Um preço perfeitamente justo para compensar o trauma de ter de decidir, todos os dias, entre beber um café com espuma artística ou tomar um brunch de autor, antes de ir trabalhar para o parlamento.

Que ninguém ouse, portanto, insinuar que Pedro Nuno Santos fez isto por dinheiro. Não. Fez por amor, amor à terra, amor às flores e, evidentemente, amor às regras interpretadas com uma criatividade que nem Fernando Pessoa bêbado teria conseguido inventar.

No fundo, Pedro não embolsou subsídios, Pedro Nuno acolheu subsídios no seu coração atormentado, como quem, heroicamente, aceita carregar o fardo de um país inteiro, desde que seja pago a pronto, claro.

Natural de São João da Madeira, Pedro Nuno nunca quis romper com as suas raízes. Com uma lágrima ao canto do olho, manteve a sua morada oficial na terra natal, mostrando ao país inteiro, que a ligação sentimental à província vale mais do que qualquer senso comum ou respeito pelos fundos públicos. Afinal, para que serve a burocracia se não for para ser contornada com elegância e um sorriso tecnocrático?

A controvérsia, claro, só poderia surgir da inveja mesquinha daqueles que não compreendem a beleza subtil do espírito luso, a capacidade de estar onde nos pagam para não estar, mas estando. Uma arte que Pedro Nuno Santos dominou, como tantos outros, da sua igualha, para calvário de todos os contribuintes.

E porque um homem não vive só de subsídios, houve também aventuras no ramo imobiliário, esse campo minado para os que têm menos talento para a gestão flexível de versões.

Em 2018, Pedro adquiriu uma modesta casa em Telheiras por uns trocos, coisa para uns miseros 740 mil euros. Interrogado sobre a origem de parte do montante, exibiu uma criatividade digna de um Nobel. Primeiro era uma generosa prenda paterna de 290 mil euros, depois afinal era um mimo da esposa. Mudanças de narrativa? Não! Apenas uma adaptação ao público, tal como convém a um verdadeiro líder popular.

Se há dúvida que persiste, é apenas esta, como é possível que Portugal ainda não tenha erguido uma estátua a estes heróis da mobilidade subvencionada, da propriedade imaginativa e da verdade alternativa?

Pedro Nuno Santos não é apenas um político, é uma ode viva ao país onde o chico-espertismo é mais patriótico do que a bandeira nacional.

Mas o melhor de tudo é ver o ar sério com que ele, hoje, fala de justiça social, habitação acessível e da necessidade de aproximar o Estado das pessoas. Quer dizer, se for preciso, até se aproxima mesmo, com mudança de morada e tudo.

Hoje, fui à manif!

Barba Azul, 25.04.25

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Hoje fui a Lisboa e desci a Avenida da Liberdade até desembocar no Rossio. Pelo caminho, vi gente com esperança de que isto melhore. Muita gente. Muitos jovens que lá estavam pela primeira vez. Pode ser que isto ainda dê uma volta pelo lado bom, quando eles crescerem. Neste momento, a fruta que está na árvore, infelizmente, está toda podre.

Uma Venda muito mal explicada!

Frederico Rosa, Rui Braga, Emanuel Santos, António Gameiro e Carlos Casimiro Matos.

Barba Azul, 25.04.25

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A Transfiguração Mágica da Quinta Braamcamp, chamemos-lhe teatro, ou, para ser mais honesto, opereta municipal, encenada com talento medíocre, orçamento público e aplausos entre camaradas.

O palco, a Quinta Braamcamp, com cerca de 21 hectares de história, ruínas, aves e potencial urbanístico com vista para o Tejo.

Como cabeça de cartaz, o Vice-presidente Rui Braga, com o pelouro do Urbanismo no Barreiro, um homem com uma carreira construída entre arranjos de bastidores e colaborações intermunicipais que fazem corar de inveja qualquer assessor parlamentar.

Como restante elenco, os figurantes, Frederico Rosa, António Gameiro, Emanuel Santos, Carlos Casimiro Matos, tudo nomes distintos, mas com um só denominador comum, a confortável certeza de que, em Portugal, tudo se pode fazer desde que não se diga em voz alta. E se disserem, sempre se pode mandar calar com um parecer jurídico.

Em 2016, a CDU adquire a Braamcamp como quem ergue uma catedral ecológica. É o regresso à natureza, ao Barreiro operário, ao moinho de maré e ao chilrear das aves, ou, no mínimo, uma jogada para travar o betão durante uns anos. Mas, em 2020, o PS entra em cena, e a catedral torna-se galeria comercial imaginária, e ali está Rui Braga, em êxtase tecnocrática, pronto a “requalificar” a Quinta, que é como os autarcas modernos dizem “vender tudo o que mexe”, numa retórica economicista, com o slogan "vendam-se as ruínas, os ninhos e até os cágados se der jeito".

A venda faz-se, não sem charme, com concurso público com um caderno de encargos meticulosamente “adaptado” e uma vitória da empresa Saint Germain, cujo proprietário tem um currículo na construção civil e outro, menos visível, na arte de aparecer no sítio certo à hora do cheque.

É aqui que tudo se torna maravilhosamente kafkiano, Emanuel Santos, o diligente director de Urbanismo do Barreiro, nomeado sob a batuta do camarada Rui Braga, preside ao concurso de venda da quinta, num prodígioso acto de transformação de património ecológico em activo especulativo.

Emanuel Santos, empolgado pelo protagonismo a si concedido, não se contém nas suas funções e vai às redes sociais, este moderno templo da política, e aplaude publicamente António Gameiro pela sua candidatura em Ourém.

Não é tráfico de influências, é só boa educação e espírito de camaradagem, para agradar ao chefe e sua bateria de "compagnons de route".

Rui Braga, o mesmo,que já nos habituou à sua surpreendente capacidade de alinhar negócios entre câmaras municipais, como quem troca cromos entre meninos bem comportados, não teve tempo para conter o excesso de voluntarismo do seu novo pupilo, e este, deslumbrado pelo protagonismo e influência, que lhe atribuíram, deixou escorregar o jogo do chefe e sofreu as consequências.

Foi à vida!

Se há coisa que Rui Braga sabe fazer é transitar entre o discurso técnico e a prática política, entre o Barreiro e as suas discretas pontes com outras autarquias, veja-se a relação peculiar com Ourém e os seus escritórios de advogados de estimação, mas esqueceu-se da ambição desmedida do seu jovem arquitecto, que lhe estragou o cenário.

O nome António Gameiro? Claro que sim, sempre por perto, deputado do PS, consultor multifunções e, nos tempos livres, frequentador do mesmo ecossistema de favores.

O que vemos, portanto, é um retrato de família. Uma pequena comunidade de afinidades electivas, onde as decisões se tomam entre gente de bem, com os olhos postos no futuro, e os pés bem assentes na rede de contactos. Nada de ilegal, claro, apenas um certo perfume a conluio, um travo a favoritismo, um suspiro de promiscuidade entre o público e o privado.

Foi então que, como nos grandes romances de suspense jurídico, entrou em cena a providência cautelar. A Associação “Barreiro, Património, Memória e Futuro” interrompe este esplendoroso espectáculo, com uma chatice legal. Tudo parado, tudo em tribunal. A câmara, naturalmente, responde com elegância e contrata um escritório de advogados, mas atenção, não é um qualquer escritório de advogados, pois vai logo escolher precisamente o mesmo que já trabalhava para a Câmara de Ourém, onde António Gameiro, deputado do PS e personagem secundária em ascensão, ensaiava os seus voos autárquicos.

A escolha do escritório “Lorena de Séves & Associados” para defender a Câmara do Barreiro na guerra jurídica sobre a Braamcamp, pode parecer, mas não é casual. É uma daquelas coincidências, que só ocorrem em Portugal, onde as relações interpessoais valem mais que as cláusulas contratuais. O mesmo escritório, as mesmas caras, o mesmo circuito fechado, e Rui Braga, sempre com ar de quem apenas cumpre o que está tecnicamente previsto, ainda que seja tudo cuidadosamente preparado, fora do papel.

A REN, para quem desconhece a sigla, Reserva Ecológica Nacional, uma vez questionada para parecer sobre o domínio hídrico, o leito de cheia? Irrelevante. Para Rui Braga, um obstáculo ambiental é apenas um problema de comunicação. O importante é manter o discurso moderno, “revitalização urbana”, “sustentabilidade económica”, “valorização do território”.

É preciso ser muito distraído, ou muito cúmplice, para não perceber que o Barreiro, sob esta gestão, se tornou numa incubadora de negócios obscuros embrulhados em PowerPoints.
Afinal, a transparência é como a REN, existe no papel, mas nunca atrapalha quem sabe bem onde está a porta de saída… e de entrada.

Não nos enganemos, a venda da Quinta Braamcamp é um monumento à promiscuidade entre política, urbanismo e oportunidade privada. Rui Braga não foi um espectador, foi maestro, não se limitou a assistir, empurrou, promoveu, e aprovou.

No meio do fumo, dos pareceres e das redes sociais, até teve tempo para assistir aos elogios públicos entre o seu subordinado e um deputado. É que no Barreiro, como em Ourém ou em qualquer outro feudo socialista travestido de gestão moderna, a proximidade é uma virtude, desde que ninguém pergunte porquê.

No final, nada disto será ilegal, apenas imoral, cínico e profundamente revelador da promiscuidade da politica com a gestão do território.
A Quinta Braamcamp não foi vendida, foi sacrificada, e o sacrifício, como sempre, fez-se em nome do progresso, com contratos discutidos em gabinetes longe da vista, mas perto dos amigos.

Rui Braga, mais uma vez, cumpriu o seu papel, transformou o Barreiro num lugar onde tudo é possível, desde que se saiba com quem almoçar. A cidade, essa, que espere sentada pelo futuro sustentável, prometido nos bem ilustrados programas eleitorais, porque por agora, só há espaço para negócios sustentados em cumplicidades.

Este caso da Quinta Braamcamp é um manual de instruções para quem quiser transformar interesse público em oportunidade privada sem sujar as mãos. Compra-se com a bandeira verde da ecologia, vende-se com o glamour cinzento do betão. Os pássaros? Que voem. As ruínas? Que se abatam. A opinião pública? Que se distraia com outra polémica, de preferência com mais gritaria nas redes sociais.

Mais um Milagre Barreirense

Bairro Alves Redol, o Modelo do Reboco e do Remendo

Barba Azul, 24.04.25

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Senhoras e senhores, preparem o coração para uma história comovente sobre amor, anunciada a 01 de Maio de 2023, com retroatividade a 2017.

Amor à cidade? Não. Amor às pessoas? Menos. Digamos, antes: amor ao orçamento da UE? Exacto.

Foi no longínquo 10 de outubro de 2024, uma data que ficará para sempre gravada nas lápides da propaganda autárquica, que arrancou a gloriosa reabilitação dos 92 fogos do Bairro Alves Redol.

Um investimento de 4,4 milhões de euros, tão sonante quanto a promessa de que “ninguém seria deixado para trás”.

A frase, aliás, foi dita com o mesmo tom messiânico com que se inaugurou a Fonte Luminosa da Avenida da Praia em 2019, antes que a água voltasse a desaparecer… como os técnicos responsáveis.

Frederico Rosa, presidente e apóstolo da regeneração urbana, falou com ar compungido de um bairro “envelhecido e obsoleto”. Estranho, vindo de alguém que ignorou o mesmo bairro durante sete anos consecutivos enquanto financiava, sem parcimónia, a reinvenção da zona ribeirinha da Avenida Bento Gonçalves, onde entre food trucks e concertos com cachets generosos, se aplicou mais entusiasmo do que cimento.

E como esquecer o Festival Out.Fest, com milhares investidos em artistas sonoros experimentais que tocavam para gatos e sombras no AMAC, enquanto os moradores do Alves Redol assistiam à derrocada dos estores e das infiltrações. A cultura foi prioritária, sim, mas apenas nas zonas onde havia lugar para palcos e reportagem na RTP2.

Agora, de repente, os mesmos que sempre evitaram passar na Rua Alfredo Cunha de noite, e de dia também, sejamos honestos, descobriram o valor estratégico do Bairro Alves Redol.

O PRR dá dinheiro, e dá jeito, ainda mais quando se pode dizer que se compraram “mais de três dezenas de casas”.

Onde, em que condições, a quem? Silêncio. Mas talvez tenha sido no mesmo espírito transparente com que se adjudicou, sem concurso público, a montagem dos toldos natalícios da Baixa em 2022 àquela empresa que, curiosamente, também decorou o casamento de um conhecido assessor.

Mas comecemos pelo princípio desta história.
O Bairro Alves Redol ia ser regenerado! Isso mesmo, em 2017 a CDU lá conseguiu uns trocos do PEDU, um daqueles programas europeus com nomes que parecem passwords de Wi-Fi, para dar uma nova vida ao bairro.

Casas mais dignas, espaços públicos decentes, uma urbanização com orgulho, enfim, um cenário que faria o Álvaro Siza chorar de emoção.

Mas depois, após os preliminares, houve eleições, e veio o PS, e trouxe uma coisa mais bonita que urbanismo, chamado visão estratégica!

Vamos regenerar? Claro que sim. Mas, e se antes, desviássemos este dinheirinho para requalificar espaços que nem sequer são nossos? É que investir em propriedade alheia é outra loiça!, terá dito alguém entre dois cafés e um power point, e lá se foi a regeneração do bairro.

Mas atenção, nada foi abandonado. Foi apenas “reformulado”. Sabem quando nos dizem que o autocarro não foi cancelado, só não vem hoje? Pronto, é isso.

A CDU esperneou, acusou, gritou "realojamento" e "abandono", e o PS, com a calma de um padre a benzer cimento fresco, respondeu, estamos a evitar deslocar 37 famílias, claro porque nada diz “apoio social” como deixar as famílias no mesmo prédio a cair aos bocados, mas com dignidade!

E os 4,4 milhões de euros da nova empreitada? Foram lançados num concurso público, sim senhor. Tudo certinho, no Diário da República, onde as grandes jogadas urbanísticas são para adornar o sono dos justos. Mas claro, “transparente” como um vidro fosco com três dedadas e um autocolante a dizer “adjudicado a quem for mais amigo”.

Sim, é claro que não houve interesses obscuros! Ninguém sonharia em mexer num concurso de reabilitação urbana num bairro social! Que horror! Isso só acontece em países corrompidos, longe deste oásis ético chamado Barreiro.

Mas a culpa não é só do PS, nem da CDU, nem da Câmara, a culpa é nossa, porque deixamos que nos troquem regeneração por propaganda, betão por promessas, e bairros por power points com renderizações 3D.

E eis que, senão, assistimos a um milagre no Barreiro! O Bairro Alves Redol, que durante anos, décadas, foi tratado como aquele parente incómodo que só se convida para o Natal porque é obrigatório, está finalmente a levar com obras! Sim, obras de verdade! Com capacetes, cimento, fita vermelha e tudo.

Um dos blocos até já está pronto! Concluído! Feito! Um autêntico monumento à resiliência, não dos moradores, claro, mas da capacidade do PS em apresentar uma fachada nova a tempo das eleições. Porque, como todos sabemos, regenerar é bom, mas regenerar no momento certo, visivelmente é ainda melhor.

Mas agora há blocos a brilhar.
Literalmente.
Com tinta fresca.
E selfies com os vereadores.

Portanto, celebremos!

Temos um bairro que era para ser todo recuperado, depois não era, depois era outra vez, e agora está a ser aos bocadinhos. Um bocadinho por legislatura, um bloco por mandato, um andar por promessa.

Agora, sim, diz o PS, porque antes era abandono, agora, transformou -se num palco de reabilitação urbana com cobertura mediática garantida. Aliás, dizem que o segundo bloco já está a caminho, o que, à velocidade da administração local, significa que estará pronto mais ou menos quando Portugal ganhar o Mundial de Futebol.

Mas cuidado com o cinismo, porque há que aplaudir, temos um bloco recuperado em 2025, o que é uma vitória colossal, para um projecto iniciado em 2017! É como entregar um trabalho da faculdade com oito anos de atraso e receber um elogio do reitor por “persistência”.

E quem sabe, se tudo correr bem, em 2040, os netos dos actuais moradores talvez já vivam em casas dignas. Com sorte até já terão uma paragem de autocarro com sombra. E uma placa a dizer:
“Obra iniciada em 2017, retomada em 2023, concluída… um dia.”

E assim se fez o milagre. Primeiro esqueceu-se o bairro. Depois iniciou-se a reabilitação com muito ruído, e por fim... vende-se o silêncio.

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